O problema da moradia no sertão

22/11/2006

“Pra quem tem condições faz suas casas boas... eu não tenho, mas graças a Deus ainda tenho onde amparar a chuva e sol. Estou com maior medo de chegar às chuvas de trovoadas... outro dia mesmo caiu uma parede do meio e por sorte não matou ninguém“, desabafa Cosme de Jesus, 43 anos, pai de sete filhos e que mora na comunidade de Morros de Aroeira em Conceição do Coité, um dos municípios mais pobres do Brasil segundo o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

“Aqui eu ganho em média R$ 30,00 a R$ 40,00 por semana”, conta o agricultor familiar. E a água de sua casa de onde vem? “Água aqui nós pega nos tanques, não tem outra solução”. Levando em conta todo o país, os dados são assustadores. O Brasil tem um déficit de aproximadamente 5 milhões de moradias, segundo dados levantados pela Fundação João Pinheiro, instituição mineira que presta serviços técnico-especializados. Mesmo entre as pessoas que têm um teto, 8,8 milhões delas moram em locais considerados inadequados, carentes e sem a infra-estrutura.

Outro morador da comunidade é Zacarias Gomes, 60 anos, que diz ser feliz em morar nesta região, “mas aqui falta muita coisa principalmente porque não tem água encanada, nem luz”. Pai de quatro filhos, ele sabe apenas assinar o próprio nome e ganha cerca de R$ 40,00 reais por semana “vendendo o dia nas fazendas vizinhas”.

Cosme de Jesus faz um apelo. “Aqui mesmo eu preciso de uma casa, uma cisterna, de energia... Se não fosse os projetos sociais como o Bolsa Família era muito pior, podia se dizer que a gente não tinha nada, só promessa”. O morador comentou ainda que espera um novo comportamento do Governo da Bahia a partir de janeiro. “Eu peço que façam alguma coisa pra nós. Eles já ganharam a eleição... a gente botou eles lá para eles servir a gente na hora exata. Se a gente mudou é porque não agüentava mais o sofrimento. Faz até vergonha porque a energia está pertinho daqui e não botaram em nossas casas, é só promessa”.

E de promessa o agricultor na esquece. Em época de eleição os candidatos já prometeram até uma casa nova para a família, desde que votassem no grupo. “Os políticos passaram aqui e foi muito. Na eleição de prefeito mesmo passaram aqui dizendo que ia fazer a minha casa e nunca foi feito nada. Eu disse a eles que não acreditava e falei assim: se vocês querem filmar, filma; quer tirar foto, tira; mas eu não acredito. Essa promessa é velha e eu não estou aqui para comer “h” de ninguém. Depois disso eu fui lá na prefeitura e o prefeito perguntou qual era meu nome e eu respondi. Depois ele disse ‘coloquei seu nome na minha agenda e nunca vou esquecer’ e ninguém nunca mais viu a cara dele aqui.

Sem freqüentar a escola Cosme de Jesus não sabe nem assinar o próprio nome “eu não estudei porque a escola que meu pai me deu foi a enxada”. No final da entrevista ele desabafou. “A comunidade sofrendo e meus senhores só colhendo os bens que vem e a maior parte tudo sobrando”.

O plano do governador eleito Jaques Wagner, diz que “a gestão democrática de políticas públicas será prioridade, garantindo o direito às diferenças e à pluralidade cultural, e promovendo o acesso aos recursos naturais e econômicos e a serviços, tais como saúde, terra, moradia, água, crédito, assistência técnica e infra-estrutura”. Uma idéia que tem se mostrado muito eficiente são os mutirões, promovidos tanto nas áreas urbanas como nas rurais, para incentivar a contribuição dos próprios moradores na construção de suas moradias. O Sindicato dos Trabalhadores Rurais e Agricultores Familiares de Conceição do Coité informa que teve que realizar a reforma de várias casas no sistema de mutirão para poder construir as cisternas do Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC).

Um dos beneficiados com a iniciativa foi Joaquim Gomes de Jesus, ele trabalha todos os dias cortando sisal e ganha R$ 50,00 por semana. Casado, tem três filhos e é vizinho de Cosme de Jesus. “A minha casa era uma barraquinha de lona e pindoba. Se não fosse o sindicato tava muito pior. Hoje com ajuda dos amigos estamos bem melhor”, afirma Joaquim.

“Para ser feita a cisterna tivemos que praticamente construir a casa dele porque não tinha telhado era um barraco bem pequeno”, explica Edivaldo Andrade, diretor do sindicato, entidade que participa da Comissão Municipal de Recursos Hídricos. “Depois do programa das cisternas mudou tudo, aqui não tinha nem água pra beber, bebia água do tanque de barro. E essa água tem muita diferença, porque a água da cisterna é água boa e do tanque é barrenta”, conta o sisaleiro.

É direito – A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, garante que “toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação... (artigo XXV, item 1)”.

O direito à moradia está incorporado no direito brasileiro de acordo com os tratados internacionais de direitos humanos do qual o Estado Brasileiro é parte. Assim, obriga o Brasil (União, Estados e Municípios) a proteger e fazer valer esse direito. A Constituição Brasileira garante a moradia como direito fundamental do ser humano (artigo 6º).