ENTREVISTA - ASA 15 ANOS - Naidison de Quintela Baptista

27/02/2015

Em entrevista, Naidison de Quintela Baptista, coordenador geral da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e coordenador executivo da ASA Bahia, comenta um pouco sobre o surgimento da instituição, suas bandeiras de luta, lembra algumas manifestações e fala dos aprendizados ao longo desses 15 anos.
 
 
1-Como foi o surgimento da ASA na Bahia e com qual sentido ela nasce?
  
Na Bahia existiam várias organizações que trabalhavam na perspectiva do Semiárido. Algumas já tematizando a convivência com o Semiárido, outras tematizando o desenvolvimento do Nordeste. Os nomes que se davam ao processo eram muito variados, mas não existia um processo de aglutinação dessas organizações para que elas pudessem atuar conjuntamente com objetivos comuns, embora com respeito à diversidade de cada uma delas. A Bahia participa através de algumas organizações como o MOC, o IRPA e outras, na criação da ASA Nacional e é depois disso que começa o processo mais forte de aglutinação e de organização das organizações da ASA. 
 
Inicialmente criou-se um processo interessante, mas um processo que vai crescendo com a realização dos encontros, de debates, assumindo a execução do P1MC a nível da ASA. Isso supunha muitos debates para identificar quais organizações, como dividir parceiramente as metas que vinham de Recife para as várias regiões do Estado para que todo mundo fosse contemplado, quais seriam as prioritárias ou não. Mas não tínhamos uma relação mais direta com o estado da Bahia. A nossa relação era mais com a ASA Recife. Com o estado da Bahia eram relações mais pontuais, de um grupo de organizações, ou de um ou outro grupo. Isso foi crescendo, tomando corpo, com perspectivas de se firmar mais, e ai entram elementos novos, tanto a uma demanda muito maior a partir de Recife quanto o estado da Bahia começa a se projetar na perspectiva de ações de convivência com o Semiárido. Nós começamos a identificar a estrada e dizer a nós mesmos que se não fôssemos ocupar o espaço outros ocupariam. 
 
Nasce daí uma busca de interrelação com o Estado a partir das mesmas organizações que compõem a ASA e que a compunham na época e que foram crescendo. De sorte que nós chegamos hoje a um patamar que acho muito interessante que é a existência de uma coordenação da ASA, uma coordenação que tem representação de todos os espaços geográficos do Estado. Uma coordenação comprometida - porque você vir de Juazeiro, Conquista, do extremo sul e outros, para reuniões de um dia tendo que voltar a noite significa um compromisso pessoal por essa causa - temos também processos de capacitação do nosso pessoal. Fomos crescendo na dimensão da demanda de execução e tínhamos um perigo, um desafio, que era nos transformar numa construtora. Íamos construir muitas cisternas, mas por trás delas faltava o conteúdo ideológico, político, conteúdo pedagógico em ter espaço onde elas estão. 
 
Hoje temos um processo de formação de convivência com o Semiárido muito espalhado, muito forte, temos debates significativos nos Encontros Estaduais, debates sobre a terra, sobre assistência técnica, debates sobre a convivência com o Semiárido, sobre políticas governamentais. A ASA é reconhecida nos espaços do Estado como instituição forte e a quem o Estado inclusive, deve se referenciar e perguntar. Então temos um crescendo, um crescendo muito interessante sendo ouvido, e um desafio que é manter tudo isso com qualidade. Tem vários elementos, tem a coordenação, tem cotização das organizações que se cotizam mensalmente para as despesas da ASA, como viagens, alimentação, eventos, isso tudo vai custeando. Então temos sinais de autonomia, sinais de perspectivas e sinais de uma articulação forte, o que é muito bom.
 
 
2-Quais bandeiras de luta a ASA foi ampliando ao longo desses 15 anos e o que ainda é um desafio que precisa se perseguido com mais empenho?
 
A grande bandeira de luta é a convivência com o Semiárido. Essa é a grande bandeira. Por dentro dela tem várias partes. Uma eu diria que é fundamental que é a política do estoque. Convive bem com o Semiárido o agricultor (a) que aprendeu e exercita a política do estoque. O estoque da água de consumo, da água de produção, estoque de sementes, de alimentação para os animais, estoque de grãos para alimentação das pessoas, de animais adequados ao Semiárido. Então é todo um processo de estocagem que nós precisamos dinamizar. Isso é importante que a ASA assuma cada vez mais. Está assumindo, mas que assuma cada vez mais. Ainda pegamos a bandeira da água de consumo humano que essa bandeira está praticamente construída, faltam ainda famílias, mas em relação do que nós pegamos há 15 anos, nós estamos bem, uma diferença muito grande.
 
Agora temos o desafio que é a água de produção, outro desafio que estamos começando agora que é o Projeto de Sementes, mas esse é um projeto a nível da ASA nacional, mas isso rebate aqui na Bahia como nós vamos dialogar, debater e forçar o governo do Estado a fazer um processo de sementes crioulas e não a distribuição de sementes, que isso o governo já gosta de fazer, mas um banco de sementes que gere autonomia das pessoas. E por aí são outras e outras bandeiras que a gente vai acrescentando porque a convivência só vai acontecer na propriedade daquelas pessoas que tiverem uma confluência de políticas. A água, a terra, o crédito, a assistência técnica, é esse conjunto de elementos que viabiliza para melhor as vidas das pessoas.
 
 
3-Olhando um pouco a história recente da Articulação, lembramos das grandes manifestações que a ASA realizou. Uma delas foi em 2007, em Feira de Santana, devido à interrupção do P1MC. Em 2011 novamente acontece a ameaça de interrupção dos processos do P1+2 e P1MC, e fomos para as ruas em Juazeiro/Petrolina. Você pode contar um pouco do que foi viver esses momentos e como a ASA conduziu a ação?
 
Nós vivemos num país que é um país de disputas. Vivemos num momento especialmente agora, de disputas que chega a ser até irracional, fechando empresas, desempregando pessoas, pelas brigas dos políticos. Esse é um país de disputas de propostas políticas. Resumidamente nos teríamos a proposta que exclui, que exclui da terra, da água, da assistência técnica, dos conhecimentos, do crédito, de tudo e coloca às pessoas a mercê minha e aos meus serviços, ou dos grupos que sempre exploraram. E a outra proposta que é a proposta de inclusão. Temos que brigar pela inclusão das pessoas no crédito, na assistência técnica, na terra, no conhecimento, na escola adequada, na água, nos serviços. Então ser cidadão não significa votar. Significa ser incluído nesses processos que são processos da nação. Esses projetos estão em disputa no país, estão em disputa dentro do governo. O governo não é um governo de monobloco. É um governo de coalizão e assim vai para um lado, outro puxa para o outro. Sempre digo de quem disputar mais, quem brigar mais, leva mais e quem ficar esperando nada leva. Então isso também se dá em relação aos projetos e aos processos políticos na construção das políticas. 
 
Na questão do P1MC nós tínhamos e temos o apoio do Consea Nacional, dos Conseas Estaduais, das organizações, o apoio da presidência da república, temos o apoio de alguns ministros, outros não, outros técnicos que acham que deveriam ser com os estados, com os consórcios, com as firmas, empresas. Então é uma disputa o processo. Então o que a ASA propunha e propõe é que a construção das cisternas seja um processo emancipatório, um processo político de emancipação da cidadania das pessoas. Isso incomoda e as forças que se sentem incomodadas reagem a isso. Temos que entender isso num processo mais amplo, numa dimensão maior. O que é que acontece?  Se as pessoas não têm poder, às vezes, de impedir que o Ministério faça os Termos de Parceria conosco, muitas vezes elas tem o poder no campo das prestações de contas, no campo da burocracia e bloqueiam por essa estrada. Onde falta um papel ou outro, não que a eles interessa o papel, interessa o projeto político contrário. 
 
Em 2007 acontece que um conjunto de exigências da Controladoria Geral da União inviabilizava a execução dos Termos, mas já estávamos com o recurso em caixa e isso é curioso, até porque já tínhamos assinado o Termo de Parceria e o recurso já estava conosco. Nós não optamos por não trabalhar na perspectiva que se apresentava que era a perspectiva que avaliarmos que era suicida. Se tivéssemos entrado era uma perspectiva de concentração de tudo em Recife. Ou seja, hoje, por exemplo, a ASA Nacional faz um contrato com o MOC, mas quem contrata as pessoas é o MOC, quem gerencia, quem compra, é o MOC. A proposta era que tudo fosse por Recife. Então as pessoas estariam aqui como funcionárias da AP1MC. Eu compraria, por exemplo, material de construção como AP1MC e isso seria um caos. Teria que fazer uma grande matriz com filiais, então nós seguramos o barco e pensamos até devolver o recurso, agora nessa proposta a gente não vai. 
 
A manifestação foi para dizer ao governo Lula que nós éramos parceiros, mas não éramos parceiros de cabeça baixa, éramos parceiros subservientes e que queríamos construir juntos e que nós não éramos os desviadores de recursos que se afirmavam. Foi muito importante trazer para Feira de Santana, entre quatro a cinco mil pessoas, ali perto do Hospital Dom Pedro ficou “qualhado” de chapeuzinhos de palha e fizemos uma passeata da UEFS até ali e isso repercutiu forte e o governo estava presente na manifestação, ouviu muita coisa que precisa ouvir e os diálogos continuaram e se descobriu pistas de se solucionar a questão. 
 
Do mesmo modo em 2011, aí já no início do governo Dilma, houve um conjunto de acusações em relação às ONGs, de que elas não prestavam conta e tal, e a presidenta baixou um decreto bloqueando repasses de recursos, bloqueando novos contratos, novos convênios, até que o processo se esclarecesse. Quer dizer, alguns grupos políticos nos acusavam de ladrão sem comprovação da acusação e já passamos a sofrer as punições, ou seja, não receber as parcelas, não fazer novos contratos. Fomos punidos sem que nossa culpa ficasse explicitada como nunca foi explicitada. A segunda grande manifestação da ASA foi para dizer ao governo que nós somos parceiros, queremos e temos o direito de continuar no processo de parceria, que o Semiárido não aceitava a interrupção pela ASA e pela sociedade civil dos processos de água de consumo e de água de produção, e que o governo nos devia uma resposta. Então isso também repercutiu, mas nessa manifestação o governo não veio. Falamos para o mundo e tivemos uma cobertura imensa, uma repercussão positiva. Era o primeiro semestre do governo Dilma. 
 
O que eu acho de mais interessante nessas duas manifestações é a mobilização das pessoas. As pessoas que venderam sua galinha, seu pedaço de carneiro, que fizeram sua farofa, os fornecedores de material de construção que ajudaram a pagar ônibus, pessoas variadas daqui da sociedade civil que quando abrimos uma conta depositavam 100, 200 reais na conta da mobilização, numa mobilização feita em cinco dias, numa semana que antecedeu ao Natal. A mobilização, a convocação dessa luta foi em cinco dias. Veio gente do Semiárido inteiro para Juazeiro e Petrolina e nós avaliávamos sete mil pessoas e nos deparamos com quinze mil. Isso nos mostra o papel de convocação da ASA. A ASA Bahia teve um papel muito forte, mas não foi dela só, o processo é da ASA como um todo, houve um envolvimento fortíssimo dos agricultores. Passei a ponte junto com um agricultor e perguntei a ele: _ O senhor veio porquê? Ele me disse assim: _Eu tenho cisterna, mas quero que outros tenham e por isso eu vim. Então, esse sentido de pertencimento, de envolvimento, de solidariedade é o que marcou essa manifestação.
 
 
4-Quais os principais aprendizados que a ASA Bahia acumulou ao longo desses 15 anos?
 
O aprendizado fundamental é que nós enquanto entidade, em nome das organizações, da igreja, de sindicatos, de cooperativas, sempre fizemos muitas coisas boas e bonitas, mas soltas, sem impacto. Ninguém sabia o que o MOC fazia, o MOC não sabia o que o outro fazia, ninguém aprendia com o outro, um não ensinava o outro, então essa dimensão de que a gente não se interrelacionava, não juntava as forças nos tornava fracos, embora fizéssemos muito. 
 
Acho que o aprendizado principal é a ação coletiva respeitando as peculiaridades de cada organização. A Cáritas tem alguns princípios que o MOC não tem e não vai ter. Uma cooperativa tem alguns princípios que a Cáritas não tem. Mas não interessa, todos temos o princípio da convivência com o Semiárido, nós todos temos o princípio de que o agricultor é o sujeito do caminho, que o caminho não é meu. Eu não estou aqui em Feira de Santana, na minha casa fazendo convivência. Eu estou debatendo, propagando, publicizando, ajudando a sistematizar, estou dando minha contribuição. Agora quem está mesmo fazendo funcionar a convivência é o agricultor e a agricultora lá na ponta. 
 
Então esse conjunto de descobertas hoje são descobertas de 50 organizações unidas. Que chegam ao governo e falam a mesma linguagem e isso dá pra gente força para dizer que queremos isso e não queremos aquilo, nós não aceitamos esse tipo de coisa, queremos uma audiência e uma audiência aberta. Ontem tivemos uma audiência com o diretor executivo da CAR, amanhã vamos ter com o Secretário Jerônimo, depois com outro, então vamos pautando os temas, e o governo vai às vezes de modo mais rápido e às vezes de modo mais devagar, assimilando isso, mas isso não é porque é o MOC, não é porque é o CAA, nem é o CEDASB, é porque é a ASA. Porque quando a gente fala, a gente fala enquanto essa Articulação que tem essa força. Acho que essa é a principal aprendizagem nossa e que devemos zelar para que ela continue.
 
 
Naidison Baptista atualmente também é presidente do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional do Estado da Bahia (CONSEA/BA) e assessor do Movimento de Organização Comunitária (MOC).
 
 
Entrevista concedida a:
Maria José Esteves
Jornalista / Programa de Comunicação do MOC 


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