Baú de Leitura 15 anos: A transformação pelo ato de ler

22/08/2014

Enquanto os meninos e a meninas do semiárido frequentavam as escolas do campo e no turno oposto participavam da jornada ampliada do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, surgiu a necessidade de pensar uma metodologia que animasse o processo de ensino-aprendizagem de forma lúdica e prazerosa. Com essa proposta nasce o Projeto Baú leitura no ano de 1999, com a missão de disseminar entre os alunos o gosto pela leitura e conseqüentemente contribuir para a transformação em suas vidas. É o que pretende mostrar a série de reportagens que tem início hoje (22), onde conheceremos quais os caminhos percorridos pelas crianças que vivenciaram um mundo de contação de histórias, e hoje estão pelo mundo construindo outras tantas histórias de aprendizados e superação. 

A realidade do trabalho infantil marcou e ainda marca a vida de muitas crianças e adolescentes no país. Na década de 1990, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil deu um grande passo na perspectiva de resgate da infância e do direito à educação de forma integral. Com as jornadas ampliadas, os alunos permaneciam mais tempo na escola e longe de atividades de exploração da sua mão de obra. 

“A década de 1990 foi muito importante para conquistas da Educação do Campo. Em 1998 se construiu a I Conferência Nacional da Educação do Campo. O MOC participou com proposições juntamente com outros movimentos sociais e sindicais do campo e com Educadores (as) do CAT [Conhece, Analisar e Transformar a realidade do Campo] e da então Jornada Ampliada do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil. Naquele período ainda não havia o Baú de Leitura. Começa as primeiras ideias para construir uma metodologia que tornasse a escola mais dinâmica e que levasse um pouco de alegria às crianças egressas do trabalho infantil”, explica Vera Carneiro, coordenadora de Educação do Campo do MOC. 

A necessidade de tornar a rotina de sala de aula mais prazerosa, fez com que o MOC através da parceria com o UNICEF pensasse em uma metodologia que estimulasse a leitura. Na estrada surgiram outros parceiros como as prefeituras, o SETRAS e a Comissão Estadual para Erradicação do Trabalho Infantil. Sua metodologia tem como base a experiência do Centro de Cultura Luís Freire - PE, que trabalhava a leitura contextualizada com comunidades indígenas e quilombolas.
      
“Naquele momento a Jornada Ampliada entrava em uma constância de ações que não avançava pedagogicamente, só mantinham as proposições planejadas, além de constatar os indicadores de baixo desempenho das crianças provindas da rede regular de ensino. O desafio era ampliar a visão de mundo sem perder a consciência da realidade, viajar por outros espaços (literário) valorizando os sonhos de criança, brincando, realizando e fomentando a pulsão criadora’, recorda a Professora Jussara Secondino, também integrante da diretoria do MOC. 

A chegada do baú trouxe para a escola do campo o debate de temas como identidade, meio ambiente, comunidade, cidadania, através de seus motes. “É um Projeto de Leitura Literária que amplia as competências Leitoras do ato de ler, enquanto mecanismo cognitivo. Não é um projeto de alfabetização. É um projeto que se propõe aguçar os sentidos, a capacidade de captar o significado textual, despertar a sensibilidade, acentuar a capacidade de ler o mundo e de expressar esta leitura através da arte e das múltiplas linguagens (teatro, cordel, música, diferentes tipologias textuais, cantorias, folguedo, expressões culturais, consolidação de identidade, formação de cidadania)”, definiu Jussara.

Durante esses 15 anos de existência, a experiência do projeto se ampliou para 200 municípios no Estado da Bahia, e três em Sergipe. Dos municípios baianos, 21 recebem acompanhamento do MOC, que assessora coordenadores e professores com o processo de formação continuada. Como em toda caminhada, os desafios foram surgindo, um deles como recorda Vera Carneiro, foi a aceitação do projeto nos municípios. “Um dos principais desafios foi convencer os gestores municipais de Educação sobre importância de um projeto que trabalhasse uma metodologia de leitura lúdica e contextualizada que dialogasse com a Proposta de Educação do Campo – CAT”. 

Superado esse momento, outro desafio persiste, segundo a Professora Jussara Secondino, no campo da formação. “O grande desafio é ‘formar o educador leitor’ e mantê-lo em formação continuada, além do remanejo dos acervos nas diferentes turmas e em diferentes séries com continuidade planejada. É como se o Projeto não ‘coubesse’ na estrutura curricular da escola regular. Então, é preciso muita determinação para fazer as adequações necessárias”.  
  
A transformação pelo ato de ler – A professora Gauba Rejane Oliveira, atual secretaria de Cultura no município de Araci conheceu o Baú em 2002, ela conta como a vida pessoal e profissional mudou a partir desta metodologia. 
 
“Ao ser apresentada ao Projeto Baú de Leitura não era muito familiarizada aos livros e a leitura. Em 2002 realizei trabalhos em sala de aula em algumas comunidades. Em 2004 foi convidada a fazer parte da coordenação do projeto no município, foi um grande desafio, mas o melhor até hoje vivenciado. Fiquei na coordenação até 2012. Tem um momento que me marcou foi quando, através dos livros do FNDE, que o Ministério da Educação encaminhou ao nosso município. Montamos grupos de estudos para montar novos baús de leitura, chegamos a construir 60 Baús, que foram entregues o ano passado nas escolas. A leitura abriu não somente porta, janelas, mais sim, ajudou a criar vontade de vencer todos os desafios de minha vida pessoal, profissional e hoje pública. Hoje em minha casa fui a maior motivadora de minha filha, que cresceu vendo o meu envolvimento no processo do Baú de Leitura, e é uma leitora ativa, com 16 anos, o seu quarto, tem coleções de livro”, relatou Gauba.
 
Outros resultados podem ser destacados, especialmente na vida das crianças, como ressalta Eleni Silva Reis, professora do município de Nordestina. “Percebe-se que as crianças, adolescentes, famílias e educadores, que vivem a metodologia do Projeto Baú de Leitura, são mais desinibidos, sabem discutir seus direitos, lêem melhor, se reconhece enquanto ser e sua identidade”, afirma Eleni.

Ainda sobre as conquistas, a leitura lúdica e contextualizada está assegurada na Lei Municipal de Educação do Campo de 09 dos 21 municípios acompanhados pelo MOC. Além disso, a metodologia tem inspirado a criação de novos projetos de incentivo a leitura. Em Santaluz, o Projeto Toda Quarta Leitura na Praça consolida práticas leitoras e atende a toda população escolar. 

Já no município de Araci, a inspiração resultou no Projeto Visita Cultural que acontece todas as quintas-feiras e leva a discussão da história do cinema, apresentação de curta-metragem de incentivo ao hábito da leitura, indicação de livros, debates, com filmes produzidos por jovens do próprio município. A atividade reúne cerca de 150 pessoas entre educadores, crianças e adolescentes em cada apresentação que realiza. 

A próxima reportagem da série traz Laudecio Silva, jovem de Retirolândia, que vivenciou como aluno da escola do campo as ações do Baú de Leitura, ele conta como o projeto contribuiu para o seu desenvolvimento enquanto leitor e cidadão.


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