ENTREVISTA: Naidison Baptista fala sobre o Decreto que instaura a Política Nacional de Participação Social

30/06/2014

Divulgado no último dia 23 de maio, o Decreto 8.243/2014 que instaura a Política Nacional de Participação Social reconhece que o povo brasileiro pode dialogar com os gestores públicos federais por meio de instâncias e mecanismos de participação social que já existem ou que poderão ser criados por novas leis ou instrumentos legais. Ele constitui um fortalecimento da capacidade de interferir na política para a elaboração, criação e controle social de políticas públicas a partir das reais necessidades e anseios da população. Foi criado para organizar e sistematizar formas e modalidades de participação hoje existentes, buscando conferir às mesmas uma maior sistematicidade. Entretanto, deu-se entrada a um Decreto Legislativo que bloquearia e anularia os efeitos do Decreto 8.243 /2014. 
 
Para dialogar sobre esse assunto entrevistamos Naidison Baptista, coordenador executivo na Bahia da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e assessor do Movimento de Organização Comunitária (MOC).
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•  Qual a importância da Política Nacional de Participação Social para a sociedade civil?
 
Eu avalio que o Decreto da presidenta Dilma que cria a Política Nacional de Participação Social no governo, no estado, é um decreto fundamental para o processo democrático do Brasil. O Brasil já vêm se destacando mundialmente pelo seu processo de participação. São muitos Conselhos, muitos Fóruns, são muitos agrupamentos, são inúmeras Conferências onde o governo tanto na parte legislativa quanto na parte executiva pode “beber” informações, desejos, anseios, propostas que vem da prática concreta da sociedade civil no enfrentamento dos seus problemas no dia a dia. A criação dessa política sistematiza esse processo. Debate mais especificamente como se formam os Conselhos, como os Conselhos podem interagir entre eles, como podemos fazer uma interação entre os Conselhos, então é um passo significativo para nos tornarmos cada vez mais democráticos.

•  Como as organizações podem se articular para apoiar a Política Nacional de Participação Social e como o povo pode acompanhar esse processo que faz acontecer a política pública?
 
Acho que nós das organizações sociais primeiro temos que colocar na nossa mente, no nosso coração, que essa política é fundamental para aquilo que nós sempre desejamos. O que é que nós sempre desejamos, e para que é que nós existimos? Nós existimos trabalhando com projetos, mas todos nós sabemos que ficar apenas nos projetos não muda realidade nenhuma num país da dimensão do Brasil. Nós só mudamos o Brasil na medida em que aprendemos com os projetos e a aprendizagem que nós fizemos nós levamos para interferência nas políticas públicas. Eu acho que nós temos vários exemplos disso: o Programa Cisternas hoje é uma política, mas ele veio dos projetos, dos anseios, das experiências das comunidades. O PRONAF é uma política, mas ele também veio das experiências das comunidades. A Economia Solidária é uma política, mas ele veio da prática diuturna das comunidades. Então nós temos que nos conscientizar de que é nossa interferência na política que vai qualificando a política no rumo da sociedade que a gente quer implementar. Então esse Decreto para nós é muito importante e nós não podemos deixar que ele seja derrotado gratuitamente. Nós temos que interferir, nós temos que mandar dizer aos nossos deputados, aos nossos senadores que foram eleitos aqui e acolá com nossos votos que nós queremos esse Decreto, que nós queremos que ele vigore, nós queremos que ele funcione, e que nós não queremos que ele seja liquidado. Esse é o nosso recado para os nossos representantes no Poder Legislativo. 

•  Na sua opinião, por que a votação no Legislativo deseja anular o Decreto 8.243/2014?
 
O Brasil é um país democrático por isso é um país plural. Há opiniões dentro e fora do Congresso que vêem no Decreto da Política Pública de Participação Nacional como uma ameaça ao poder e as prerrogativas do Poder Legislativo. Se formos olhar efetivamente o texto do Decreto ele não ameaça poder nenhum. Ao contrário, ele se soma, ele colabora, ele reforça a perspectiva de que os poderes possam de fato, representar cada vez mais os anseios e pontos de vista da população. Porque, por mais que um deputado, ou dois, ou três, representem nossas perspectivas eles não são ambivalentes o suficiente, nunca o serão, para saber o que pensam os índios, os quilombolas, os negros, uma comunidade de terreiro, o que pensam os pescadores artesanais, o semiárido, o que pensa o sul do país. Então quando eles se abrem para a perspectiva de receber as sugestões, os debates, as críticas, as questões que são levadas pelas instâncias de participação da população na elaboração da política, eles não estão perdendo o poder, eles estão exercendo o poder que lhes foi conferido de modo mais qualitativo, com mais qualidade, com mais segurança. Então acho que o deputado e senador que seja deputado e senador não terá medo desse Decreto. Gostará dele e terá nele um amparo para exercer bem o seu mandato.

•  Fortes e significativos na construção e execução da política de convivência com o Semiárido, qual a posição do MOC e da ASA sobre a Política Nacional de Participação Social a partir das experiências já existentes nos espaços de interlocução da sociedade civil?
 
O MOC e a ASA historicamente tem sempre ocupado os espaços de participação social. O MOC está em Conselhos a nível nacional, a nível estadual, e também em Feira de Santana em alguns Conselhos. A ASA está em muitos Conselhos Estaduais, no Conselho Nacional de Desenvolvimento, no Conselho Nacional de Segurança Alimentar, em vários Fóruns, em vários espaços de debate da política. Nós avaliamos isso de fundamental importância. São nesses espaços que levantamos a nossa voz, dizemos o que não queremos, onde apontamos para o governo qual a linha, que na nossa leitura ele deve seguir e caminhar. Não interessa se ele segue ou não segue, nós temos que dizer. Dizendo expressamos nosso anseio, expressamos o anseio da população que a gente representa também, dos grupos sociais aos quais nós pertencemos. Então, são nesses espaços que há a disputa democrática pela condução da política. Se não estivéssemos nesses espaços não teríamos a política de cisternas. Se não tivéssemos a política de cisternas não teríamos novecentas mil cisternas de consumo humano, somadas a cem mil cisternas de produção hoje implantadas no semiárido, mudando a vida de milhares de pessoas. Se não tivéssemos nesses espaços não estaríamos com o processo de assistência técnica, com a dimensão do crédito mais adequado. Então, são conquistas que nós vamos trazendo para nossa região e para nossa realidade, pouco a pouco e a partir de cada encontro, de cada debate, de cada conferência, de cada reunião dessa que a gente pertence. Nós não vamos a essa reunião para fazer turismo. Nós vamos para levar os anseios, os debates, as questões com as quais nós avaliamos que a realidade vai ser modificada para melhor. Por isso nós louvamos e estamos ao lado do Decreto, queremos que ele se implemente, queremos que ele se fortifique. Apelamos aos nossos deputados e senadores que não o derrubem porque derrubá-lo é um retrocesso na perspectiva da democracia brasileira.


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