Do campo à cidade, combater o Trabalho Infantil ainda é desafio

13/06/2014

O dia 12 de junho foi instituído pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) como Dia Mundial contra o Trabalho Infantil em 2002, data da apresentação do primeiro relatório global sobre o tema. Trabalho infantil é toda forma de trabalho exercida por crianças e adolescentes, abaixo da idade mínima legal permitida, conforme a legislação de cada país. 

Os dados do Relatório Global de 2013, feito pela OIT, apontam que ainda persistem na condição de exploradas 168 milhões de crianças em todo o mundo – 11% de toda a população infanto-juvenil, sendo que a metade deles nas piores formas de trabalho infantil. Numa análise comparativa entre os dados da última década, houve uma redução de 78 milhões de crianças trabalhadoras em relação ao ano de 2000. 

O Brasil é referência internacional na temática e o 12 de junho também foi adotado como Dia Nacional de Combate ao Trabalho Infantil em 2007, por meio de lei. O Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil foi aprovado em 2011.

De lá para cá, cresceu o reconhecimento da data pela sociedade brasileira, a partir de mobilizações e campanhas realizadas pelo Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI) e mais de 70 organizações integrantes. Entretanto, o número dos que permanecem nesta situação de violação de direitos ainda é expressivo. 

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2013, ainda existiam 3,5 milhões de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil e a região Nordeste é a que lidera esse ranking, concentrando 1,3 milhão de crianças que trabalham no Brasil. 

Retrato do Trabalho Infantil no Campo - Embora o problema seja mais visibilizado nas grandes cidades, com alto índice de trabalho infantil doméstico, ele não deixa de existir no campo. O que acontece é que, nas realidades rurais, as especificidades são outras. Segundo dados da ong Repórter Brasil, em pesquisa realizada para o projeto Meia Infância, em 2013, é no âmbito rural que as dificuldades de fiscalização são mais evidentes. Entre os motivos, elencam-se as longas distâncias a serem percorridas no campo, o difícil acesso aos locais e, muitas vezes, o medo da população de oferecer informações. Em muitos casos, a falta de fiscais e de suporte das autoridades locais dificulta as ações do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) na busca de focos de exploração. 

Ainda de acordo com a mesma pesquisa, que resultou num livro, entre as piores formas de trabalho infantil que podem ser identificadas no meio rural estão o beneficiamento do fumo, do sisal e da cana-de-açúcar, a quebra da castanha de caju e o trabalho em casas de farinha, em polos gesseiros e em abatedouros de gado. A periculosidade dessas atividades inclui a exposição a fungos, doenças respiratórias e acidentes. A atividade da quebra da castanha de caju pode causar a perda das impressões digitais. 

Trabalho com gesso está entre as piores formas de trabalho infantil. | Foto: SRTE PE

“O campo brasileiro conta com especificidades por conta dos muitos campos que temos no Brasil. Podemos destacar o trabalho nas lavouras que se agrava quando estas utilizam de agrotóxicos na sua produção, pois neste contexto a criança e o adolescente correm um duplo risco. Ainda temos crianças na produção do carvão e nas pedreiras; o número diminuiu, mas ainda existe”, informa Maria Vandalva, coordenadora pedagógica do MOC.

“Nas empresas rurais, já não encontramos crianças trabalhando, porque há sanções aplicadas pela fiscalização laboral. No caso das famílias, somente o Ministério Público poderia interferir eficazmente na situação, mas diante das suas inúmeras atribuições em relação à infância e adolescência, além do pouco número de promotores, essa intervenção é dificultada. Punir os pais por abandono intelectual, por exemplo, é traumático para as crianças trabalhadoras, pois se sentem culpados por seus pais serem apenados”, diz Marinalva Dantas, coordenadora do Fórum Estadual de Combate ao Trabalho Infantil no Rio Grande do Norte.

Para a professora da UFPB e pesquisadora do tema, Maria de Fátima Pereira, um dos principais entraves é a naturalização do assunto. "É uma questão cultural, do imaginário formador do brasileiro. A defesa do trabalho infantil é que é um antídoto à marginalidade, que é melhor que estar roubando. Mas os dados mostram que isso não é fato, é mito, podendo levar ao trabalho escravo e ao tráfico", problematiza.

Políticas Públicas e participação da sociedade civil – Para as organizações da sociedade civil que atuam em comunidades rurais, uma das principais formas de atuação das organizações sociais no combate ao trabalho infantil é participar de espaços de controle social e de proposição de políticas públicas de defesa dos direitos da criança e adolescente, como conselhos municipais e estaduais, fóruns e conferências. 

Organização que atua no Semiárido baiano e que tem como uma das frentes a defesa dos direitos de crianças e adolescentes, o MOC está este ano em processo de mobilização para as conferências municipais, territoriais e estaduais de criança e adolescente, já que as conferências regionais e a nacional acontecem em 2015. A entidade está na comissão organizadora da conferência estadual e ajudando nas mobilizações para as municipais.

Mas, na opinião de especialistas, as políticas públicas de combate ao trabalho infantil no campo ainda são poucas e ineficazes. De acordo com Marinalva Dantas, a educação opera no meio rural com extrema dificuldade e isso é um grande empecilho para a sensibilização do tema.

“As políticas são pouco eficientes porque o ‘não trabalho’ não é colocado como condicionante para participar dos programas. Não é dito que se trabalharem perdem a bolsa. Assim, é preciso esclarecer pais e professores. Outra coisa é que dos mais de três milhões e setecentos mil crianças e adolescentes que trabalham no Brasil, mais de dois milhões têm idade acima de 14 anos, portanto, se forem inseridos de forma segura no mercado de trabalho, com direitos e preparo para um ofício, restarão pouco mais de um milhão para que o governo atue, utilizando os programas sociais existentes”, explica a coordenadora do fórum.

Marinalva Maciel é coordenadora da Adessu Baixa Verde, associação que realiza um programa voltado para o combate ao trabalho infantil e a garantia de direitos das crianças e dos adolescentes em comunidades rurais de Triunfo e Santa Cruz da Baixa Verde, no sertão pernambucano. Para ela, a educação não-contextualizada enfatiza os aspectos negativos do trabalho no campo, estimulando o êxodo rural e consequentemente o trabalho infanto-juvenil. Outro ponto é a nucleação das escolas rurais, o que faz com que muitas crianças deixem de ir para as escolas, distantes de onde moram. 

“Há situações em que os pais pedem para a criança não ir à escola para trabalhar na roça. Nesses casos, orientamos esses pais de que a educação é importante. Aquelas inseridas no Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos vão para as aulas e no outro horário desenvolvemos com elas atividades de cidadania, de consciência ecológica. A gente educa para permanecer, para conhecer a cultural local. Aprender as práticas da terra é necessário na agricultura familiar, mas deve ocorrer de uma forma que não prejudique o desenvolvimento físico e social dessas crianças e adolescentes”, garante Maciel. 

Para Maria Vandalva, a complexidade do trabalho infantil demanda que seu enfrentamento não seja isolado, o que requer esforços, vontade política, planejamento e investimentos. “Não é possível combate-lo sem enfrentar o problema da renda para as famílias, que por sua vez está relacionada ao acesso à terra, à água, ao crédito, à assistência técnica; também há questões relacionadas à qualidade da educação, que tem a ver com o tempo da criança na escola, com a estrutura desta escola, com a formação do/a professor/a, com o conteúdo que essa escola dissemina. Isso demanda políticas públicas em todas as áreas e principalmente a existência de escolas que dialoguem com a realidade desse mundo rural, articulando forças locais para transformar esse lugar num lugar de vida, onde as pessoas gostam de viver”, enfatizou.

Fonte: Site da ASA Brasil - Mariana Reis-Jornalista da Asacom


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