MOC comemora 45 anos de trabalho, luta e resistência!

26/09/2012

Há 45 anos  em meio a um contexto político conturbado, de repressão, onde o governo democrático foi substituído pelo que ficou marcado na História do país como o período da Ditadura Militar, nasceu o Movimento de Organização Comunitária (MOC), uma organização não governamental, sem fins lucrativos, com a missão de servir aos mais pobres e com o desejo de transformar a realidade das pessoas. Criado através da parceria entre a Diocese de Feira de Santana e a Federação de Assistência Social e Educacional (FASE), do Rio de Janeiro, teve seus trabalhos iniciados em 27 de outubro de 1967, ficando sob a responsabilidade do então Padre Albertino Carneiro, seu fundador, é ele que fala sobre esse surgimento e seus desafios.

“Primeiro desafio foi a etapa de implantação. Numa reunião da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) o primeiro bispo de Feira de Santana, Dom Jackson se entusiasmou quando o diretor da FASE prometeu aos bispos que dariam a ajuda de um veículo, montagem de um escritório e dois profissionais, um sociólogo e um assistente social, e também um padre que eles exigiram que fosse eu”, recorda Albertino. Nesse período inicial, o MOC, era observado de perto pelo governo militar, uma vez que qualquer iniciativa que fosse compreendida como ameaça comunista ao Estado era vigiada. Desses episódios, Albertino se recorda que antes da entidade ser registrada como sem fins lucrativos, teve que prestar esclarecimentos.

“Fui inquirido pela Segurança Nacional e me perguntaram: por que você está fazendo um trabalho clandestino? Expliquei que era padre e meu trabalho era realizado com a Diocese. Eles me disseram que se eu não registrasse iriam considerar o movimento como comunista, MOC, Movimento Operário Comunista. Foi aí que eu disse não, o senhor está mal informado, não é um trabalho clandestino não, nós não temos medo de dizer o que somos e o que fazemos”.

Em julho de 1970, o MOC foi registrado, e os desafios pelos quais teria que passar estavam apenas começando. As populações que viviam nos bairros periféricos de Feira de Santana, como a Rua Nova, o Jardim Cruzeiro,  Baraúna, a Barroquinha, entre outros, tinham demandas diversas como habitação, sanitarização, cursos profissionalizantes como de pedreiro, datilografia, entre outros, e nas comunidades rurais a questão agrária já era forte, ações como treinamentos agrícolas, roças comunitárias começavam a ser desenvolvidas.

Anos 1970. Organização política- Uma das lutas que marcaram esse início foi a organização política dos agricultores através da conquista da participação nos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais.  “A primeira etapa foi dar coragem ao agricultor para se organizar, seja no sindicato, seja na associação, por que eles tinham medo, eles não foram fundados para defender o trabalhador, a função era substituir o governo na assistência aos aposentados”, diz Albertino Carneiro.

Sobre esse desafio, Ildes Ferreira, que integra a equipe do MOC logo a partir dos primeiros anos de trabalho, também recorda alguns momentos. “Em 1972 começamos a ter penetração nos sindicatos que eram comandados por fazendeiros. O sindicato era importante nessa luta para melhorar a vida do homem do campo, aqui em Feira demorou de dois a três anos, em Serrinha foram doze anos de disputa e campanha. O importante é que o sindicato viveu um período importantíssimo de reivindicar em favor da agricultura”.

No processo de conquista de espaço político nos STR’ s, as mulheres foram personagens importantes, uma vez que estas não podiam votar e nem serem votadas nas instituições sindicais. É nesse período que elas conquistam esse direito e começam uma luta que resultaria no seu processo de organização política e criação de novos espaços como o Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais.

Anos 1980. A questão econômica, incentivo a organziação da comercialização - Ao lado do sindicalismo o MOC encontrou outra estratégia, o trabalho com as associações. “Criamos dezenas, digo criamos por que nós fomentamos isso. Em Feira de Santana, Serrinha, Anguera, Riachão do Jacuípe, e ai é que começa despontar a questão econômica, as pessoas estão trabalhando, plantando, vendendo e não ultrapassam a linha da pobreza. Começa-se a discutir na perspectiva de buscar saídas. O governo do Estado era cruel com os trabalhadores, os impostos cobrados eram altíssimos, muitos entregavam a mercadoria, pois chegavam a pagar três impostos”, recorda Ildes Ferreira.

Começou então uma mobilização na região para enfrentar isso em 1979. “Tivemos a primeira grande manifestação no estado depois do golpe militar, onde camponeses se mobilizaram e foram até o governo reivindicar contra a lei, era o governo de Antonio Carlos Magalhães, achávamos que íamos encontrar cassetete da polícia, e foi o contrário, ele prometeu aliviar a situação, mas não o fez. Só depois no governo seguinte, de João Durval, veio uma flexibilização”.

Ele ainda conta que esse processo pela redução do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços) foi importante porque permitiu aos agricultores se articularem. “Serrinha, Angüera, Feira de Santana e outros municípios passaram a ter um fórum regional que a gente não tinha, aí percebemos que tinham questões regionais e até nacionais que não poderiam ser resolvidas pelo município ou por uma associação. Vem daí a história da APAEB, Associação dos Pequenos Agricultores do Estado da Bahia, nos anos 80 era uma pretensão nossa. Sete municípios participaram inicialmente e tudo era aprendizado, era um momento muito complicado, a APAEB adquiria o produto, guardava, o deposito ficava cheio, o preço estava lá em cima, e o percurso para decidir a venda era difícil. Com a municipalização na década de 1990, podemos apontar a experiência da APAEB de Serrinha e a de Valente que no momento tem se destacado com seus projetos”.

Anos 1990 até os dias atuais. Busca por construção de políticas em diversas áreas - A partir desse trabalho, outras lutas foram acontecendo e ganhando força até os dias atuais, conforme as reflexões de Naidison Baptista, atual secretário executivo da entidade. “Luta significativa foi aquela do armazenamento de grãos e sementes sem agrotóxicos. Tratou-se de algo bonito e significativo. Em quase todos os espaços encontrávamos grupos aprendendo a conservar os grãos e sementes, a armazenar sem agrotóxicos, a construir silos de zinco, utilizar os tonéis e processos fins. Infelizmente este processo se perdeu enquanto uma dimensão mais ampla. Hoje, no entanto, quando nos debruçamos no resgate das sementes crioulas, nos deparamos com muitos agricultores que ainda armazenam suas sementes em processos sem agrotóxicos e mantêm-se como guardiões e guardiãs das sementes crioulas”, afirmou Naidison Baptista.


Ele também destaca outra bandeira de luta importante que contou com a colaboração do MOC: o trabalho pela erradicação do trabalho infantil na década de 1990. “O MOC trouxe para os territórios do Portal do Sertão, Bacia do Jacuípe e Sisal a luta pela erradicação do trabalho infantil. Foram milhares de pessoas envolvidas nesta caminhada que marcou a região. Aí nasceu a experiência da Jornada Ampliada que envolveu milhares de crianças e de monitores, surgiu fortemente o debate da qualidade da escola, do direito da criança de frequentar a escola, de ser criança, de não trabalhar e hoje está na pauta de todos os movimentos e na realidade da vida das pessoas. Surgiram centenas de experiências de geração de renda, as parcerias foram inúmeras, entre as quais o UNICEF, OIT, Governos, Municípios, movimentos variados”.


Naidison ainda avalia que o papel do MOC não é o de ensinar a conviver com o semiárido, mas através de experiências contribuir para a construção de políticas e estratégias. “O MOC desenvolve ações de educação contextualizada no semiárido, construindo políticas de educação do campo na relação com os movimentos e os municípios; desenvolve ações na perspectiva de ampliar nas comunidades a dimensão da cultura do estoque de água para consumo humano e produção; estoque de alimentos para animais e pessoas como instrumento de convivência com o semiárido; desenvolve ações de organização das mulheres que descobrem seu espaço e lugar nas comunidades e região, interferem em políticas, se associam em cooperativas gerando renda, beneficiando e comercializando produtos, participando protagonicamente em políticas federais tais como o PAA e a Alimentação Escolar; desenvolve um processo de assistência técnica a partir dos princípios da agroecologia entre outras ações e estratégias”.

Ao lado de todas as lutas na história do MOC há sempre uma contribuição junto a outros atores sociais pela busca por políticas para as mulheres, economia solidária, assistência técnica, de segurança alimentar e nutricional, de educação contextualizada, juventude, direito a comunicação que formam um todo, com o objetivo de melhor qualificadamente a vida de homens e mulheres do semiárido. “Conviver com o semiárido não é apenas ter mais água para consumo humano e produção. Em outras palavras, cada programa e cada ação do MOC materializam processos concretos de convivência com o semiárido, em interfaces entre si. Além disso, o MOC oferece e contribui com o semiárido com sua paixão e compromisso com o povo e com a transformação dessa realidade, tornando-o este espaço de Brasil mais digno do povo que aí reside”, finalizou Naidison Baptista, que também atua na coordenação do CONSEA na Bahia e na Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA).


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