12 de Junho: Um Chamado pela Infância - MOC relembra trajetória do PETI e reforça luta contra o trabalho infantil

12/06/2025
12 de Junho: Um Chamado pela Infância - MOC relembra trajetória do PETI e reforça luta contra o trabalho infantil

No dia 12 de junho, Dia Mundial contra o Trabalho Infantil, os holofotes se voltam para uma das mais persistentes violações dos direitos humanos. A data, instituída em 2002 pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), reforça a urgência de erradicar práticas que privam milhões de crianças no Brasil e no mundo do direito ao estudo, ao lazer e ao desenvolvimento pleno.

No Brasil, avanços importantes ocorreram nas últimas décadas, especialmente a partir de 1996, com a criação do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI). A Bahia foi um dos territórios pioneiros na implementação do programa, com destaque para a Região Sisaleira, que contou com apoio do UNICEF e forte atuação do MOC (Movimento de Organização Comunitária). A política pública se consolidou como referência nacional na proteção da infância, articulando transferência de renda, atividades socioeducativas e formação cidadã para famílias e crianças em situação de vulnerabilidade.

Foto: Acervo MOC


O MOC tem sido parte ativa dessa trajetória. Com presença marcante em diversas regiões do Semiárido baiano, a organização alia educação contextualizada, mobilização comunitária e incidência política na construção de alternativas sustentáveis para superar o trabalho infantil. Desde os tempos do PETI até os projetos atuais, o MOC permanece como uma força viva e estratégica na defesa dos direitos de crianças e adolescentes.

Para relembrar essa trajetória e refletir sobre os desafios atuais, o MOC conversou com a educadora Vera Carneiro, coordenadora do Programa de Educação do Campo Contextualizada do MOC e conselheira do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (CECA) da Bahia. Nesta entrevista, ela compartilha reflexões sobre os avanços conquistados, os desafios persistentes e a importância de manter essa pauta viva e prioritária no Brasil.


Foto: Acervo MOC

Acompanhe a entrevista na íntegra:

Como você avalia a importância do PETI na década de 1990 e qual foi o papel do MOC nesse processo, especialmente no Território do Sisal?

O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) teve uma grande importância, principalmente no Território do Sisal, pois, na época, havia muito trabalho infantil, especialmente no sisal e nas pedreiras. O trabalho com mobilizações das famílias, da sociedade civil, das gestões públicas e, principalmente, um processo de formação continuada com uma metodologia contextualizada para “monitores” (educadores sociais) foi essencial para o desenvolvimento das Jornadas Ampliadas do PETI.

A Jornada Ampliada era um espaço onde as crianças e adolescentes frequentavam no turno oposto ao da escola, e as famílias recebiam uma bolsa para manter as crianças fora do trabalho infantil, ao mesmo tempo em que se construía uma nova cultura sobre os prejuízos físicos, psicológicos, emocionais e de aprendizagem causados por esse tipo de exploração. A implantação do Projeto Baú de Leitura nas Jornadas Ampliadas e nas escolas do campo contribuiu para a construção de leitores críticos.

Quais foram os principais resultados e impactos daquela atuação na vida das crianças e das comunidades envolvidas?

São diversos os resultados alcançados, especialmente no desenvolvimento pessoal, profissional e comunitário. O processo de formação em metodologia de educação contextualizada e significativa promove um senso crítico e uma vontade de transformação social nas comunidades e municípios. Por exemplo, estudantes que participaram do PETI hoje estão nas coordenações municipais de Educação, de Assistência Social; são líderes comunitários, secretários(as) de Educação, vereadores(as), professores(as). Ou seja, pessoas que estavam com o presente e o futuro condenados devido ao trabalho infantil transformaram suas vidas e suas comunidades através de um processo de mobilização social e educação contextualizada, significativa e transformadora.

A mobilização da sociedade civil também trouxe conquistas importantes, desde a construção do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei 8.069/1990) até a constituição de Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCAs), dos Conselhos Tutelares, e o funcionamento regular dos Conselhos Estadual e Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), fortalecendo a Rede de Direitos. Porém, esta rede de proteção precisa ser fortalecida nos municípios, com formação, maior investimento e melhor estruturação.

De lá para cá, o que mudou no cenário do trabalho infantil no Semiárido e na Bahia em geral?

Muita coisa mudou no cenário. A redução do trabalho infantil foi fruto de mobilização social e de políticas públicas. Porém, ainda enfrentamos essa questão, especialmente nos grandes centros urbanos e também em comunidades rurais. No Semiárido há desafios devido à crise socioambiental e ao aumento da pobreza, caso não haja investimentos em políticas públicas — especialmente de educação em tempo integral, assistência social, cultura, esportes e lazer —, bem como investimentos na agricultura familiar como forma de gerar renda para as famílias e produção de alimentos saudáveis.

Neste período (de 1990 a 2025), houve um aumento considerável de investimentos em políticas agrárias no Semiárido, apesar de cortes no período de 2019-2022. Mas esses investimentos vêm sendo retomados nos últimos anos.

Hoje, quais são os principais desafios no enfrentamento ao trabalho infantil?

Desafios como o fortalecimento da rede de proteção dos direitos da criança e do adolescente; a implantação da educação integral; ampliar os investimentos em educação do campo contextualizada; e a geração de trabalho e renda para as famílias. Outro desafio é a sociedade civil cumprir seu papel de mobilização, proposição e fazer incidência política para a garantia de direitos.

Como o MOC tem atuado atualmente nessa agenda? Quais ações e projetos estão na linha de frente?

Hoje o MOC atua em diversas frentes com apoio de projetos, como por exemplo, uma linha de implementação de Educação do Campo Contextualizada através da proposta “Conhecer, Analisar e Transformar a realidade (CAT)” e o Projeto Baú de Leitura em 18 municípios do Semiárido. Para fortalecer essas propostas de educação, contamos com diversos projetos apoiados por instituições internacionais:

  • Crossing Borders (Áustria) – Educação Contextualizada e Direitos de Crianças diante da crise socioambiental;

  • Edu-Cativando na Caatinga – KNH – com ações educativas nas escolas, buscando contribuir na construção de currículo contextualizado para resiliência climática e direitos das crianças;

  • Agenda 2030 no Semiárido – busca contribuir com o alcance dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), especialmente o direito à Educação Contextualizada e cuidado ambiental;

  • Cirandando pelos Direitos (KNH) – educação antirracista e cuidado ambiental;

  • ActionAid – Parceiros por um Sertão Justo – com ações diretas com as crianças e adolescentes em comunidades rurais.

O MOC compreende que investir na proteção integral das crianças e adolescentes, especialmente nas comunidades campesinas, contribui para a erradicação do trabalho infantil. Ações de incentivo à educação contextualizada de qualidade, literatura, incentivo ao esporte, cultura e lazer, além de fortalecer as redes de proteção participando de conselhos e fóruns.

De que forma esses projetos contribuem para prevenir o trabalho infantil e garantir os direitos de crianças e adolescentes?

Estes projetos contribuem na medida em que investem na formação integral e holística, com processos educativos significativos para a vida das crianças e adolescentes, bem como buscam envolver a sociedade civil na defesa dos direitos e na incidência política. O apoio desses projetos promove uma qualificação e construção de um “capital humano” qualificado nas comunidades e municípios.

Como você vê a importância da articulação com escolas, conselhos tutelares e comunidades nesse processo?

Essa articulação é fundamental, pois a escola faz parte da rede de proteção. É na escola onde as crianças e adolescentes passam a maior parte do seu tempo e, muitas vezes, é na escola onde se identificam diversas violações e violências que as crianças sofrem.

Quais avanços ainda são necessários para erradicar o trabalho infantil na região?

Maior fiscalização, maiores investimentos em políticas públicas, melhor funcionamento da rede de proteção (escolas, conselhos, fóruns, instituições públicas etc.).

Qual é a mensagem que você gostaria de deixar para gestores públicos, educadores, famílias e sociedade sobre essa causa?

As gestões públicas precisam cumprir o que a legislação já determina. No Art. 4º do ECA: criança e adolescente devem ser prioridade absoluta nas definições de políticas públicas. Portanto, alocar mais recursos em educação, esportes, cultura, lazer e assistência social não são gastos, são grandes investimentos. Os municípios ganham em não ter repetência escolar, abandono, e em ter pessoas pensantes e criativas na construção da sustentabilidade em todas as dimensões e de uma nova sociedade mais humana e sustentável.

Assista o vídeo: 


Apesar dos avanços, o trabalho infantil ainda desafia o presente e o futuro de milhares de crianças

Mesmo com avanços e redução nos números, o trabalho infantil ainda afeta profundamente a vida de milhares de crianças e adolescentes no Brasil. De acordo com a PNAD Contínua 2023, mais de 1,6 milhão de meninas e meninos entre 5 e 17 anos estavam em situação de trabalho infantil — o equivalente a 4,2% da população nessa faixa etária, o menor patamar desde o início da série histórica, em 2016.

Na Bahia e em todo o Semiárido, os desafios são ainda maiores, sobretudo nas comunidades rurais, onde vulnerabilidades sociais, econômicas e ambientais se entrelaçam e dificultam a garantia de direitos básicos. Embora tenha havido queda de 14,6% em relação a 2022, os números ainda revelam uma realidade preocupante. Mais da metade dos casos (55,7%) está entre adolescentes de 16 e 17 anos, mas crianças de 5 a 13 anos ainda representam 21,6% das vítimas. Além disso, meninos negros (pretos ou pardos) seguem como os mais impactados, concentrando mais de 65% dos casos.

Outro dado alarmante: 586 mil crianças e adolescentes estavam em atividades perigosas — insalubres, degradantes ou que comprometem o desenvolvimento — segundo a chamada Lista TIP.

Diante desse cenário, reafirmamos: a erradicação do trabalho infantil é um compromisso coletivo, que exige ação firme do Estado, mobilização da sociedade e fortalecimento de políticas públicas. É preciso garantir educação de qualidade, proteção social e oportunidades reais de desenvolvimento.

O MOC segue firme nesse caminho. Atuamos com educação contextualizada, escuta das famílias, articulação comunitária e integração com as redes de proteção para construir um Semiárido mais justo, solidário e livre do trabalho infantil.

Infância não é lugar de trabalho. É tempo de sonhar, brincar, estudar e crescer com dignidade.

Se você conhece alguma criança ou adolescente em situação de trabalho infantil, denuncie! A ligação para o Disque 100 é gratuita, anônima e pode salvar vidas.

Texto:  Alan Suzarte