Desertificação no Semiárido: soluções que brotam da resistência dos povos da terra

10/06/2025
Desertificação no Semiárido: soluções que brotam da resistência dos povos da terra

A desertificação é uma ameaça silenciosa e crescente que tem transformado não apenas a paisagem, mas também o modo de vida de milhares de famílias no semiárido brasileiro. Longos períodos de estiagem, desmatamento e uso inadequado do solo são os principais fatores que agravam esse processo, resultando em uma terra cada vez mais frágil, água escassa e o futuro dos agricultores e agricultoras familiares em risco.

Segundo dados do Instituto Nacional do Semiárido (INSA), cerca de 85% da região já apresenta algum grau de desertificação, enquanto aproximadamente 9% encontra-se em estágio avançado, sendo consideradas áreas efetivamente desertificadas. Um estudo do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélite (LAPIS/UFAL) reforça a gravidade do cenário, apontando que 13% da região apresenta níveis de degradação tão elevados que já são consideradas quase desérticas.

Diante desse contexto, vem se consolidando uma alternativa potente e enraizada nos saberes populares: a convivência com o semiárido. Mais do que uma resposta técnica, é uma forma de viver que reconhece o semiárido como território de vida, diversidade e possibilidades. Essa convivência envolve práticas que respeitam os ciclos da natureza, fortalecem a autonomia das famílias e enfrentam os efeitos das mudanças climáticas com justiça social e ambiental.

A desertificação acontece quando o solo perde sua capacidade de reter água e nutrientes, comprometendo diretamente a vida das famílias agricultoras, dificultando o cultivo de alimentos e o acesso à água — afetando assim a segurança alimentar e nutricional.

Para a geógrafa e educadora popular Maiane Figueiredo, “a desertificação é um reflexo da forma como o ser humano tem tratado a natureza. No semiárido, ela se manifesta com muita força, atingindo quem menos contribuiu para esse desequilíbrio: os povos do campo. É uma injustiça ambiental e social. A terra perde a vida e, com ela, as pessoas perdem direitos. Mas isso não é uma sentença. Quando há investimento em políticas públicas e valorização dos saberes populares, o semiárido floresce, mesmo em meio à estiagem.”

É nesse cenário de desafios e resistências que se fortalece a proposta da convivência com o semiárido — não como um conjunto isolado de ações, mas como uma forma de viver que reconhece o território como lugar de vida e potencial. Conviver com o semiárido exige cuidado com a terra, uso racional e consciente da água, valorização dos saberes tradicionais, fortalecimento das organizações sociais e implementação de políticas públicas que garantam o bem viver. 

Essa convivência se expressa por meio de diversas estratégias articuladas, como a captação e o armazenamento da água da chuva por meio de cisternas, o reuso da água, o recaatingamento e a proteção da vegetação nativa, o uso e valorização das sementes crioulas, a criação de animais adaptados ao clima da região, a produção de alimentos pela agroecologia, e a assessoria técnica continuada. As cisternas, portanto, são ferramentas fundamentais, mas não o centro dessa proposta: fazem parte de um conjunto mais amplo de soluções que sustentam a vida no sertão e enfrentam, de forma concreta, os efeitos da desertificação.

A coordenadora do Programa Água, Produção de Alimentos e Agroecologia do MOC, Ana Glécia, reforça esse entendimento: “as cisternas não são só tecnologia, são símbolo de esperança. É com a água guardada que muita gente consegue cultivar o que come, alimentar as crianças e viver com mais dignidade. Isso é o direito humano à alimentação saudável sendo efetivado pela garantia da segurança alimentar e nutricional. Mas a água sozinha não é suficiente para a convivência com o semiárido, são necessárias outras estratégias que contribuam para o bem viver das populações.”


Nesse sentido, o MOC tem atuado junto às organizações sociais dos territórios para incidir politicamente em defesa de direitos e implementar ações concretas nas comunidades. Por meio de oficinas, visitas técnicas, rodas de conversa e processos formativos, a organização fortalece práticas que recuperam o solo, incentivam o uso de sementes crioulas, a proteção da vegetação nativa e o cultivo agroecológico. Essa troca de saberes amplia a autonomia das famílias e ajuda a construir um modo de vida mais sustentável e justo.

Conviver com o semiárido é um ato de coragem, resistência e sabedoria. Não se trata apenas de sobreviver, mas de viver com dignidade, com acesso à água, à terra e a alimentos saudáveis. As políticas públicas, o apoio das organizações sociais e o protagonismo das comunidades mostram que é possível transformar o chão seco em chão fértil de vida. A desertificação é um desafio real — mas as respostas a ela também são concretas e nascem do próprio território: da força das sementes, da escuta da terra e da luta diária de quem acredita que o semiárido é lugar de vida, fartura e futuro.

Texto: Alan Suzarte