Entrevista: "O problema básico de não se instalar estes conselhos é a falta de vontade política"

03/08/2005

Desde a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente, no ano de 1990, muitos direitos que foram assegurados ainda não são colocados em prática. Uma condição essencial para que o ECA seja cumprido é o funcionamento dos Conselhos de Direitos da Criança e Adolescente e dos Conselhos Tutelares. Ambos devem ser instalados, por obrigação, pelos municípios, estados e União, que também devem garantir o seu funcionamento e cumprir suas determinações.

Para fazer valer o funcionamento desses conselhos, foi criada a Comissão de Promotores Públicos na Região do Sisal. Confira uma entrevista com Millen Castro, promotor de Justiça de Valente e São Domingos, no Território do Sisal. Ele fala sobre a obrigatoriedade dos municípios implantarem os conselhos.

Por que a necessidade de criar uma comissão de promotores?

Millen Castro - Uma das atribuições do Ministério Público é a defesa da infância e da juventude. A maioria dos promotores que estão na região é de turmas mais novas. Quando chegamos aqui, verificamos essa carência quanto à infância e à juventude, relativo à implantação dos dois conselhos: o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e da Adolescente (CMDCA) e o Conselho Tutelar (CT). Para suprir esta deficiência de quase 15 anos na região, nós escolhemos como uma das prioridades trabalharmos em conjunto para a instalação dos órgãos. Esta decisão foi tomada numa reunião regional do Ministério Público, com base no planejamento estratégico estadual, que tem como uma das metas reduzir essa vergonha que a Bahia tem de ocupar o primeiro lugar em ausência de Conselhos Tutelares no Brasil. Por isso fizemos um projeto, juntamente com prefeitos e presidentes de Câmaras de Vereadores, numa reunião que aconteceu no dia 28 de abril em Serrinha, onde foi firmado um compromisso para que até meados de 2006 sejam implantados esses conselhos em todos os municípios envolvidos.

Quais municípios estão envolvidos neste mutirão?

Millen - São os municípios de Barrocas, Biritinga, Cipó, Conceição do Coité, Ichu, Nova Soure, Retirolândia, Santa Luz, São Domingos, Sátiro Dias, Serrinha e Valente. Sendo que em Santa Luz já existe o Conselho Tutelar, mas também estará trabalhando conosco.

Em todos esses municípios existem os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente?

Millen - No inicio, nem todos os municípios tinham esse conselho, porém, com essa ação em conjunto dos promotores, em quase todos os municípios isso já está resolvido.

que é o Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente?

Millen - É o órgão que vai determinar qual a política do município para a infância e a juventude, é ele que vai determinar também o que deve ser feito, onde serão aplicadas as verbas, dentre outras questões. Ele é formado por paridade, ou seja, metade de membros do poder público e outra metade de membros da sociedade civil. Outra atribuição do Conselho de Direitos é organizar e administrar o processo de escolha dos membros do Conselho Tutelar.

Nos municípios que ainda não têm o Conselho Tutelar, como está sendo o trabalho da promotoria pública para a implantação deste conselho?

Millen - Nós, promotores, observamos que a lei, que já existia em todos os municípios, precisava apenas de algumas modificações, pois não estava atendendo às necessidades do município. Por isso, nos reunimos e fizemos uma minuta do projeto, que foi encaminhada para cada prefeito, para adaptar à realidade de cada município.

Qual o prazo esperado para que esses municípios regularizem o Conselho Tutelar?

Millem - Nosso objetivo junto com o Poder Executivo e o Poder Legislativo é instalar estes conselhos até meados do mês de outubro ou novembro, em todo os municípios.

Como é feita a escolha dos conselheiros?

Millen - Os candidatos a conselheiros tutelares se submeterão a um processo de seleção baseado em duas fases. Primeiro será feito um teste de conhecimento sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e aqueles que conseguirem uma média mínima de seis pontos se submeterão a uma eleição. Na maioria dos municípios é realizada a eleição direta, outros decidem pela eleição indireta. No município de Valente, por exemplo, a lei ainda não foi sancionada, a Câmara de Vereadores decidiu pela eleição direta, mas eu não sei se o prefeito vai sancionar ou vai vetar este dispositivo, já que a intenção dele era que a eleição fosse indireta.

Qual a diferença entre uma eleição direta e uma eleição indireta na escolha dos conselheiros?

Millen - Na eleição direta os candidatos a conselheiros serão escolhidos pela comunidade numa votação direta (como acontece para prefeito, vereadores, etc). Na eleição indireta esses conselheiros serão escolhidos pelas escolas, igrejas e por meio das associações.

Qual o papel do conselheiro?

Millen - O conselheiro tutelar, acima de tudo, é um defensor dos direitos da criança e do adolescente, por isso a luta por estabelecer a prioridade na infância e juventude. Busca vagas para as crianças que estão fora da escola; visita as famílias delas para possibilitar que elas permaneçam estudando; e as encaminha, se necessário, para programas de apoio financeiro, psicológico e material. Além disso, exige do governo medidas para encaminhar a tratamento médico as crianças e adolescentes enfermos, caso estes não tenham sido atendidos. Também analisa denúncias de exploração infanto-juvenil e solicita da polícia e do Ministério Público as providências cabíveis. Há muitas outras atribuições, todas elas elencadas no ECA.

O que alegam os gestores municipais que não tem Conselhos em seus municípios?

Millen - Isso, na verdade, são dívidas que os novos gestores receberam das gestões passadas. A maioria dos municípios não tem interesse de instalar os Conselhos porque são despesas a mais. Então os municípios, querendo fugir de mais gastos, acabam esquecendo da prioridade que é a infância e a juventude e acabam destinando verbas para outras áreas que não têm tanta prioridade assim. Mas o problema básico é mesmo a falta de vontade política.

Nos casos dos municípios de São Domingos e Valente, quais os maiores obstáculos enfrentados para a composição destes conselhos?

Millen - O maior problema enfrentado em Valente foi a demora na aprovação da lei. Em São Domingos foi muito mais rápido. Em São Domingos o Conselho de Direitos já abrirá o edital para seleção e escolha dos conselheiros.

A falta dos Conselhos afeta o cumprimento do ECA?

Millen - Claro, o Estatuto da Criança e do Adolescente determina que os conselhos sejam instalados imediatamente. Inclusive, se a lei fosse cumprida com rigor, municípios onde não existem os conselhos em funcionamento não poderiam receber verbas na área da infância e da juventude. Em muitos municípios eles são simplesmente instalados, o prefeito determina quem são os conselheiros e ele nunca funciona. Aí continuam as verbas sendo destinadas para outras áreas que não são exatamente da infância e da juventude. Essa herança que os prefeitos herdaram de outras gestões ferem o ECA, principalmente porque nós estamos com um atraso de 15 anos.

Quais são as penalidades para as pessoas que não respeitam o Estatuto da Criança e do Adolescente?

Millen - Existem diversas penalidade para as pessoas que agridem os diretos da criança e do adolescente. Quem agride, quem explora sexualmente, até mesmo para os pais que não colocam os filhos na escola. Essas penalidades vão desde as penalidades cíveis, como multas, fechamento dos estabelecimentos que permitem a exploração sexual, até penalidades criminais, como prisões e todas que estão previstas na parte final do Estatuto.

Na sua avaliação, o ECA é conhecido como deveria?

Millen - Apesar do Estatuto já contar com 15 anos de idade, seus dispositivos são pouco conhecidos, seja pelos beneficiários, as crianças e os adolescentes, pois pouco se discute nas escolas, seja pelos próprios governantes, que ainda não estão conscientes da prioridade absoluta de que goza a infância e a juventude. Para mudar isso, há necessidade de uma maior publicidade junto a todos os ramos da sociedade.