"O Baú de Leitura é um projeto de conquistas"

11/10/2010

Programa de Comunicação- O projeto Baú de Leitura surgiu com a proposta de qualificar o ensino na região sisaleira, objetivando para que crianças e adolescentes tivessem o direito à leitura. Quais as contribuições do Baú de Leitura para o fortalecimento da educação do campo?

Vera Carneiro - O Projeto Baú de Leitura vem contribuindo com a melhoria da educação nas escolas do campo, pois proporciona às crianças e adolescentes o acesso a livros de histórias infantis, o desenvolvimento da criatividade, da oralidade, da expressão corporal, das diversas dimensões artísticas e leitura crítica de mundo. Podemos afirmar que as escolas que tem o Baú de Leitura tornam-se mais atrativas, as crianças encontram mais motivação para freqüentar. Além destes elementos, tanto as crianças quanto educadoras e educadores elevam a auto estima, fortalecem suas identidades, lêem e interpretam mais, ampliando a visão crítica de mundo e fazendo outras descobertas, ajudando a mudar a realidade a partir dos livros lidos e dos debates provocados em sala de aula.

ProgCom - Já são 11 anos de projeto. Em termo de metodologia, o que mudou? Quais as inovações para atrair novos leitores e multiplicadores da proposta?

VC- Na realidade a metodologia não mudou muito. Continuamos com a base metodológica da ação-reflexão-ação, fazendo da leitura um instrumento de construção da cidadania e melhoria das condições de vida. Nestes 11 anos nós fomos aprofundando a metodologia, ampliando com novos debates, dinamizando mais os encontros, motivando os municípios, ampliando o acervo do Baú e inovando sempre na formação de educadoras e educadores bem como das Coordenações Municipais do Projeto.

ProgCom - A equipe do Baú de Leitura vem lutando para atender o maior número de crianças e adolescentes possíveis. Podemos afirmar que o projeto se tornou uma política pública no Estado da Bahia? Quais os desafios?

VC - Estamos caminhando para isso. Na Bahia, através de um convênio com a Secretaria da Educação do Estado, estamos inserindo o Baú em mais de 51 municípios, e no próximo ano ampliando mais. No total, hoje o Baú de Leitura está presente em mais de 100 municípios, em especial os municípios do semiárido, são mais de 38 mil crianças e adolescentes participando do Projeto. Estamos caminhando na construção de uma política pública.

As prefeituras estão assumindo o projeto, contribuindo com a formação dos educadores e educadoras, adquirindo Baús com recursos municipais. Os desafios agora é garantir no orçamento municipal os recursos para que seja efetivamente uma política pública, universalizando a proposta, enquanto experiência de educação do campo.

ProgCom - Em março deste ano o projeto recebeu o Prêmio ODM, sendo considerada uma das 20 práticas que contribuíram para o alcance dos Objetivos do Milênio em 2009. Agora, recebeu o prêmio da Fundação Pedro Calmon. Que outras conquistas você destaca?

VC- Estas conquistas são fundamentais para incentivar os municípios a investirem mais ainda numa proposta que vem dando certo, que tem obtido bons resultados, melhorando a qualidade da educação. Uma conquista no atual momento são as Prefeituras Municipais estarem assumindo o projeto, disponibilizando uma Coordenação Municipal sendo esta pessoa da Secretaria de Educação e a própria Secretaria da Educação do Estado.

Antes quando iniciamos, este diálogo era mais difícil. Já ganhamos outros prêmios, como o Viva Leitura, outra de Melhores Práticas em Gestão Local. Outra conquista também foi a publicação do livro com a história do projeto: Baú de Leitura: Lendo Histórias, Construindo Cidadania.

Porém, de tudo, o que para nós é a maior conquista, são os relatos de vida das crianças e professores e professoras, pois isto não é só simbólico, isto fica para sempre na vida das pessoas. Nas oficinas iniciais conhecemos professores com problemas de leitura, que não gostavam de ler, o mesmo com as crianças e os relatos depois de sua vida com a leitura e com as descobertas de valores e mudanças de vidas, é realmente encantador. Hoje tornaram-se leitores.

ProgCom- Qual a avaliação que você faz do projeto no decorrer desses 11 anos?

VC-  Uma avaliação muito positiva. Temos muitos desafios ainda. Mas é um projeto de conquistas. Evoluímos, convencemos poder público sobre a importância do projeto e a apoiá-lo nos municípios, no atual momento, fazemos a formação continuada de quase 2.000 educadoras e educadores com a metodologia do Projeto, temos um grupo formado e capacitado de Coordenadores Municipais, Núcleos de Leitura funcionando nos municípios, diversos grupos de poesias, de teatro, de dança nos municípios.

Crianças e adolescentes que participam de eventos estadual e nacional, além de atividades municipais, descoberta de talentos. São mais de 1.300 Baús de Leituras circulando pelas escolas. Um desafio é garantir recursos para a formação continuada de educadoras e educadores, pois um projeto como este, seu sucesso, deve-se ao fato de existir uma avaliação constante da prática dos educadores e sua permanente formação, estudos, troca de saberes, criações, projeções e planejamento do seu trabalho.

ProgCom- Qual o significado do Baú de Leitura na sua vida?

VC- Participo desde o início do Projeto, desde 1999, quando iniciamos com um dos principais objetivos de contribuir no combate do trabalho infantil, trazendo esperanças e alegria na vida de milhares de crianças e adolescentes.

O Baú na minha vida tem um significado especial. Primeiro porque eu me identifico muito com a educação do campo. Fui estudante e depois professora de escola do campo, minha origem de família pobre, não tinha nem acesso e nem condições de comprar livros de literatura. No Baú, resgatei a criança dentro de mim, me encontrando e encantando com as histórias dos diversos livros que já li e já trabalhei com os educadores, e vendo as diversas leituras de mundo e possibilidades que um livro pode proporcionar.

Algo que me chama muita atenção são as histórias de vida das professoras, em especial com o mundo da leitura. Despertar este gosto duradouro pela leitura, envolve um pouco o psicológico, o emocional das pessoas, debatendo a vida, a infância, debatendo valores, de tabus, de tradições, religiosidade, diversidade, identidade, enfim a cultura de cada pessoa.

O Baú a cada dia me faz acreditar que é possível mudar o mundo para melhor, que através da educação, e com os encontros de formação, a chave está na educação das sensibilidades como dizia Rubem Alves. Muitas vezes a educação tradicional trabalha as habilidades das pessoas, e neste mundo tão conturbado, em mudanças constantes, as sensibilidades, os valores humanos são um pouco esquecidos. Acredito que quem vivencia o Baú torna-se uma pessoa melhor, e reafirmo um texto que construir a partir dos livros do Baú.

Fazendo um trocadilho com alguns títulos dos livros do Baú de Leitura, que utilizamos, e que estas ações muito nos inspiram a continuar acreditando e construindo juntos, pois neste "jardim de cada um" a criança vai se encontrando, descobrindo ou mesmo modificando o seu "jeito de ser ", sua identidade, a dos outros, a do meio onde vive, seja "nas terras dos orixás", na "casa da floresta", nas "lendas indígenas" ou simplesmente "balançando os sonhos" e descobrindo que "viver é uma grande aventura", que há "o outro lado da história" e que as "imagens do sertão" não são somente tristes, que há muito o que se descobrir e "depois da montanha azul" há um horizonte, e um acreditar que é possível construir um mundo melhor.

Conseguir fazer com que as crianças e adolescentes, não só sonhem com isto, mas desfrutem deste mundo, cuidando e preservando, e que ajudem a construir o novo. Isto já está sendo feito. "Até mais verde" !


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