Ressurge o debate sobre o contexto local no livro didático

26/02/2009

Em 27 de fevereiro é comemorado o Dia Nacional do Livro Didático, uma das principais ferramentas utilizadas pelos professores no processo educativo. A data é importante para refletir sobre a qualidade destes materiais. Será que os livros usados atualmente pelas escolas brasileiras geram interesse nos estudantes? Segundo especialistas, muitas dessas publicações têm uma abordagem que não considera as especificidades da cultura e da realidade onde vivem os alunos, utilizando métodos que não primam pelo fomento à criatividade e ao senso crítico. 

No Semi-árido brasileiro, a identificação dos estudantes com o livro didático se torna ainda mais difícil. Os meninos e meninas não se vêem refletidos nas páginas dos livros, que quase nunca levam em consideração a biodiversidade local, a vivência do povo do campo, a história e a cultura do povo do sertão. O coordenador do escritório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) para os estados da Bahia e Sergipe, Ruy Pavan, destaca a importância que a educação contextualizada tem para a aprendizagem dos meninos e meninas do Semi-árido. Os livros didáticos têm que refletir o contexto onde a criança está inserida. A capacidade de aprendizado aumenta muito quando os assuntos são apresentados de forma contextualizada, pois o aluno percebe que o mundo em que vive está também dentro da sala de aula, explica. 

Experiência positiva - Uma experiência interessante nesse sentido foi a da Rede de Educação do Semi-árido Brasileiro (Resab), que sistematizou experiências municipais de educação contextualizada e convidou um grupo de educadores para elaborar a publicação experimental Conhecendo o Semi-árido, livro didático que valoriza a diversidade, a cultura, a história, as vivências e a força do povo do sertão e ainda apresenta alternativas para a permanência das pessoas na região. A produção do livro só se tornou possível com o apoio do UNICEF e do Centro de Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec). A edição foi realizada com foco nos alunos de 3ª e 4ª séries do ensino fundamental de escolas públicas dos onze estados que integram a região do Semi-árido. 

Nos meses de novembro e dezembro de 2006, a Resab aplicou um teste de recepção da publicação com 4.080 crianças de 17 municípios dos estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe. O intuito foi avaliar a aceitação do livro por parte dos professores e alunos em sala de aula. Segundo Lucineide Martins, membro da Secretaria Executiva da Resab, a receptividade do livro foi positiva, tanto entre os professores, quanto entre os estudantes. Os alunos ainda passaram a levar os livros para casa e a compartilhar os conteúdos com a família através de discussões, comenta.

Bahia - Na Bahia, a publicação já foi implantada, em caráter experimental, nos municípios de Uauá e Irecê. De acordo com a integrante da Secretaria Executiva da Resab, Ednalva Conceição Nunes, os resultados observados nas escolas baianas foram positivos. A profissional destaca que os alunos e professores se reconheceram no livro, já que nele encontraram informações sobre elementos, como cultura e vegetação locais, que não encontram em outras publicações. A facilidade em acessar os conteúdos trazidos pela obra também foi ponto positivo levantado pelos docentes e estudantes dos dois municípios baianos.

Para Zhara Leite, técnica do Programa de Educação do Campo, do MOC, o livro é um diferencial na educação das crianças do semiárido. “Quando a gente pensa em material didático dentro de uma proposta de educação é um diferencial para as crianças do campo. O livro é muito importante porque ele vem carregado de conteúdo, de valores que remetem a realidade do aluno, que valoriza sua história, a natureza, a cultura e identidade, a partir de uma perspectiva local, dando significado maior a aprendizagem das crianças”. Ela ainda ressalta que a adoção do livro pelo MEC será um marco político para a educação do campo.

Ampliando a aplicação do livro - Atualmente, a Resab está buscando uma articulação junto ao Ministério da Educação (MEC) para inserir o livro Conhecendo o Semi-Árido no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), uma iniciativa que tem por objetivo oferecer a alunos e professores de escolas públicas do ensino fundamental o acesso universal e gratuito a livros didáticos de qualidade. A expectativa da rede é que a publicação chegue a todos os municípios e escolas do semi-árido o mais breve possível.

Segundo Ednalva, o desafio agora é obter a liberação, por parte das editoras, das músicas e textos que compõem o livro, para que ele possa ser disseminado. De acordo com ela, os custos são muito altos e, por isso, é preciso pensar em estratégias para envolver os governos federal, estaduais e municipais na negociação.


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