“As ONG´s cumprem o papel de apontar o caminho”

13/02/2008

Todos os anos o Movimento de Organização Comunitária (MOC) reúne a sua equipe no Planejamento Anual, momento em que todos partilham os resultados dos seus trabalhos e constroem juntos novas perspectivas para o ano que se inicia. A abertura realizada nesta segunda-feira (11), no Centro de Formação Comunitária (CFC), contou com a presença do sociólogo Adriano Martins, assessor de projetos da Coordenadoria Ecumênica de Serviços (CESE), convidado da entidade para fazer uma análise da Conjuntura Política do País e do Estado, falando das perspectivas da relação entre governo e sociedade civil, CPI das ONG’s, como pode ser conferido na entrevista concedida ao Programa de Comunicação do MOC.

Programa de Comunicação - Como você analisa o papel das ONG’s junto à sociedade civil na conjuntura atual do país, principalmente as que atuam no Semi-Árido brasileiro?

Adriano Martins - As organizações da sociedade civil tiveram e tem um papel muito importante no meu entendimento de serem laboratório de políticas públicas de ações capazes de melhorar a vida das pessoas aqui no Semi-Árido. Acredito que hoje mais do que nunca, em função das disputas que existem na sociedade em relação ao modelo de desenvolvimento do país, as ongs que atuam na linha do desenvolvimento sustentável e da convivência com o Semi-Árido cumprem o papel de apontar um caminho e não é um caminho teórico, é algo construído a partir das suas práticas nas comunidades. Enfim eu acho que elas cumprem um papel de gestarem, construírem e lutarem por políticas públicas que efetivamente garantam o desenvolvimento com sustentabilidade.

P. Comunicação- De que forma as ongs podem se posicionar diante da imagem negativa criada neste momento de CPI?

A. Martins - Nós temos hoje um momento delicado em que a direita do país tenta criminalizar os movimentos sociais que lutam por mudanças no país, e também criar uma mácula em relação à atuação das ONG’s. Primeira coisa: devemos separar o jóio do trigo, existem ongs que são do deputado tal, da mulher do presidente tal, e que de fato são espaços de corrupção, de mau uso e desvio da verba pública. Agora as ONG’s e os movimentos que são alvo do questionamento na CPI das ONG’s são aquelas exatamente trabalham com seriedade, neste sentido eu acho que é nosso papel ampliar para a sociedade o conhecimento trabalho que a gente faz, para mim é melhor antídoto. Quem conhece o trabalho do MOC, da ASA, sabe da importância que estas ações têm para melhorar a qualidade de vida na região, quem conhece o trabalho que é feito não tem nenhuma dúvida de que todo dinheiro público investido na Articulação do Semi-Árido se revestiu em melhores condições de vida para a população. Acho que a nossa postura é garantir transparência das nossas ações, lutar por um marco legal, uma legislação que torne a relação das organizações sociais com o estado mais transparente e não ter nenhum problema em reconhecer que algumas ong’s de fato se prestam a corrupção, estas devem ser punidas sem dúvida.

P. Comunicação - Qual a importância das ONG’s possuírem um setor de comunicação?

A. Martins - Tornar claro para a sociedade o trabalho que a gente faz é fundamental para a nossa sustentação política e financeira inclusive, neste sentido ter uma boa estrutura de comunicação é um serviço de transparência à sociedade sobre os recursos que a gente recebe e como a gente utiliza e também divulgar as idéias, os princípios, as causas, a essência da nossa luta. Imagino que um setor de comunicação não sirva somente para divulgar o MOC, a ASA, mas para divulgar a convivência com o Semi-Árido, as alternativas de convivência, metodologias participativas, lutas sociais emergentes como a questão dos quilombolas, em fim é serviço de aprofundamento da democracia no nosso país.

P. Comunicação - Quais são os grandes desafios da relação entre governo e sociedade civil, hoje?

A. Martins - O primeiro é em relação aos governos reconhecerem que há um aprendizado muito grande, é muito útil para implementação de políticas públicas, acho que o governo tem muita dificuldade em reconhecer este conhecimento acumulado ao longo décadas, que as ONG’s tem. De outro lado existe uma dificuldade muito grande por parte de algumas ONG’s, de saírem dos programas de governo e construir políticas públicas de verdade, independentemente da troca de governo. E por fim toda a parte da legislação é um desafio, precisa ser aperfeiçoada porque ela induz, facilita a corrupção e não torna a transparência facilitada, dificulta a nossa atuação, é muito ruim.

P. Comunicação - Como as ONG’s devem atuar para que as pessoas “tomem as políticas nas mãos”?

A. Martins - Primeiro ponto é trabalhar de forma a garantir autonomia, a fortalecer o empoderamento das comunidades, então neste sentido uma ong que atue fortalecendo a capacidade de decisão dos grupos ela presta um grande serviço. Vale lembrar que a ONG não é eterna, se na sua metodologia de trabalho o protagonismo, a capacidade daquele grupo social são fortalecidos, você prepara estes grupos para que eles tomem para si o seu trabalho e caminhem com independência. Este é o passo inicial, tomar para si a construção de políticas e de ações públicas. Tem muito a ver com a qualidade do trabalho que executamos com os grupos assessorados.

P. Comunicação - Você afirmou perceber nas pessoas um crescimento da consciência política. Como você analisa o eleitor que vive no Semi-árido e tem um histórico de práticas coronelistas?

A. Martins - A história da nossa democracia é muito recente e muito atribulada. A democracia no Brasil ainda é muito frágil. As eleições no Nordeste do Brasil no geral foram marcadas pela compra de votos e a estrutura do coronelismo ainda é muito presente, somente se modernizou. Eu diria que a gente tem umas experiências pequenas em algumas regiões do Nordeste de processos políticos mais ricos. O que existe de novidade agora é uma maior transparência nos programas públicos, o fato de um programa de transferência como o Bolsa Família ser recebido através de um cartão magnético, no banco e não através do vereador, deputado, prefeito, ou a estrutura oferecida pelo INSS no pagamento das aposentadorias são fatos recentes, mas ainda estamos engatinhando, embora veja momentos promissores.

P. Comunicação - O país passa por uma crise em diversos setores e embora existam recursos, estes são mal administrados. Diante disso quais caminhos você aponta para conseguirmos um país com uma distribuição de renda mais igualitária?

A. Martins - Eu acho que a gente precisa reconhecer que existe uma dívida social imensa ainda. O primeiro mandato do Lula, quando a questão da fome e o resgate da dívida social se colocavam no centro, se não do conjunto de práticas, mais pelo menos do discurso do governo e de algumas ações importantes como o programa de transferência de renda, Bolsa Família, o Luz para Todos, o Programa de Aquisição Antecipada de Alimentos (PAA), foi a abertura de um caminho. O reconhecimento da existência dessas dívidas e da necessidade de resgatá-la são discussões que precisam ser aprofundadas a partir da participação da sociedade organizada na construção de políticas públicas. Também a forma de fazer a coisas altera o resultado final, então se você cria um mecanismo de participação você altera o resultado e constrói processos mais sustentáveis, colocando as estruturas da economia, da infra-estrutura, a serviço do ser humano. Neste sentido o reconhecimento de que ainda temos níveis de pobreza alarmantes, que os níveis de devastação nos ambientes naturais do Brasil são assustadores, são importantes. A questão ambiental e a sustentabilidade do desenvolvimento para as gerações futuras deve ser colocada no lugar central da política. Então neste conjunto: participação social, o resgate da divida pública social e a questão ambiental com centralidade que deve ter, para mim é a chave do desenvolvimento sustentável.


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