Comunidade quilombola resiste à dominação “coronelista”

31/10/2007


Em 507 anos de história, o Brasil ainda reproduz a dominação e a exploração vivenciada nos moldes da colônia. Não distante daqui, no Recôncavo Baiano, a comunidade de São Francisco do Paraguaçu vive sob ameaça de perder o território em que nasceram. Herdado de seus ancestrais, escravos que fugiam da perseguição dos seus senhores, os quilombos representam ainda hoje a resistência do povo negro.

Para evitar que isto aconteça, diversas mobilizações estão sendo realizadas, entre elas o envio de cartas para a Justiça Federal, com cópia para o Tribunal Regional Federal – 1º Região, solicitando a revogação da liminar que suspende o processo de reconhecimento. Os diversos núcleos do movimento negro na Bahia também estão se articulando para a realização de uma manifestação em solidariedade à comunidade de São Francisco e repúdio a cobertura realizada pela mídia, ainda sem data prevista.

No decreto assinado pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva, em 20 de dezembro de 2003 e que está de acordo com o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988, está estabelecido que “aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida à propriedade definitiva devendo o Estado emitir-lhes títulos respectivos”, a Fundação Palmares e o Incra estariam responsáveis para identificar estas comunidades quilombolas. Através da autodeclaração dos moradores por via documental e relatos orais dos mais antigos do vilarejo esta identificação é feita.

A questão - Cumprindo o processo necessário para a aprovação, às declarações assinadas pelos moradores foram recolhidas, no entanto um grupo de moradores que inicialmente assinou, decidiu retirar suas assinaturas, alegando que assinaram a lista para adquirir canoas motorizadas e não para este fim.  Unindo-se aos fazendeiros da região, o grupo exigiu que a Fundação Palmares abrisse uma sindicância para apurar a irregularidade.

Em entrevista no dia 11 de outubro ao Jornal Nacional, da Rede Globo, Zulu Araújo, presidente da fundação, diz que não apurou irregularidade alguma no processo, constatando que a comunidade está sofrendo pressão para que a posse da fazenda seja reintegrada a família Santana, reivindicada por Rita de Cássia Salgado, filha do ex-prefeito de Cachoeira.

Já foi expedida uma liminar e seis ações foram movidas contra o processo de reconhecimento da comunidade de São Francisco como mais uma remanescente de quilombolas. Os moradores foram obrigados a deixar as terras e muitos conflitos já aconteceram entre fazendeiros e moradores.

Segundo Juliana Neves Barros, advogada da Associação de Advogados dos Trabalhadores Rurais da Bahia (AATR), a situação tende a piorar, pois, como nas outras vezes, essa liminar está sendo utilizada como um cheque em branco pelos fazendeiros e capatazes. “Não bastasse à injustiça da ordem liminar, extrapolam os limites demarcados no mandado judicial e a ameaça de agressões, destruição das roças, derrubada de casas e matança de animais ronda os quilombolas em qualquer parte do seu território tradicional”, afirma.

Com ampla divulgação da mídia, o grupo que se reconhece como quilombola está se sentindo prejudicado com a cobertura realizada pela imprensa. Alegando que as imagens exibidas estão sendo deturpadas, eles são vítimas de falsas denúncias de assalto e agressão manipuladas no intuito de gerar ações que prejudiquem o processo.

Resistência - Para Amilton Borges, militante do Movimento Negro Unificado (MNU) as comunidades descendentes dos quilombos são símbolo da luta pela liberdade. “Os fazendeiros estão percebendo que a organização dessas comunidades vai tirá-los da situação cômoda de donos da terra, e agindo de forma articulada com seus interesses está a mídia, que padroniza o modelo de cobertura sobre o assunto, nos estados também de Goiás, Espiríto Santo onde há questões envolvendo a posse de terra por quilombolas”.

Para o agricultor Altino Cruz que nasceu e viveu em São Francisco do Paraguaçu, a saída é resistir o quanto puder. Em entrevista ao jornal A Tarde, ele fala que está descumprindo a ordem desocupar a fazenda Shangrilá “Ele (o oficial de justiça) me mandou sair e queriam que botasse meus animais onde quer que fosse. Ele me embargou de ir na roça. Mas vou lá plantar melancia eu tenho roça madura, roça verde e não posso abandonar”.

A região é propícia para a exploração turística e uma das características econômicas é a carnicinicultura, cultivo do camarão em cativeiro. No entanto, as terras em questão eram utilizadas pela comunidade para a agricultura de subsistência. Com a liminar que proíbe o uso das terras, a comunidade está em situação de risco alimentar e nutricional, uma vez que as famílias sobrevivem do que plantam.

No país, há mais de 2.200 comunidades quilombolas conforme dados do Centro de Geografia e Cartografia Aplicada da Universidade de Brasília.


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