De vergonha a orgulho um trajeto de lutas e conquistas para o Grupo de Mulheres Delícia da Terra

23/12/2014
De vergonha a orgulho um trajeto de lutas e conquistas para o Grupo de Mulheres Delícia da Terra

“Mainha” é a palavra mais ouvida entre sorrisos largos e lembranças marcantes contadas por participantes do Grupo de Mulheres Delícia da Terra, da comunidade de Lajedinho, município baiano de Barrocas. “Mainha” é Dona Zefinha, uma das primeiras moradoras de Lajedinho, mãe e avó de algumas mulheres do grupo e quem cedeu a garagem de sua própria residência para as reuniões do grupo quando ali ainda não existia Associação. 
 
“Tudo dependia de Santa Rosa, uma comunidade daqui de perto. Era lá que tinha Sindicato, Associação, aqui não tinha nada”, conta Santinha, uma de suas filhas. “No início de tudo só existiam três casas, a minha e mais duas”, conta Dona Zefinha mãe de 12 filhos. “Quando alguém perguntava às meninas de onde elas eram, elas com vergonha diziam que era de Santa Rosa e não de Lajedinho. Quando elas davam o endereço errado, eu perguntava pra elas: E vocês por acaso moram em Santa Rosa? Vocês moram é em Lajedinho”, diz a matriarca até ser interrompida por Nilda. 
 
Nilda dos Anjos, antes multiplicadora de Assistência Técnica Rural (ATER) do Projeto Prosperar acompanhou de perto as dificuldades que a comunidade já passou e relembra com orgulho o esforço das pessoas na organização da Associação e do grupo de produção. “A gente não tinha despertado que podia ser uma comunidade igual a Santa Rosa. Mas no final de 2004, início de 2005 veio o Projeto. Depois disso eu precisava reunir o povo e não tinha onde. Então batia de porta em porta para falar do projeto. Com o tempo fui marcando reuniões que no início era na garagem de Dona Zefinha”, conta.
 
O despertar
As filhas de Dona Zefinha sempre gostaram de cozinhar, fazer artesanato e uma delas chamada Adelaide já fazia e vendia cocada. “Nos espelhamos na experiência de Adelaide que já tinha feito cursos e também cozinhava para alguns agricultores da região”, conta Nilda. Com a constituição da Associação Comunitária e da vontade de fazer Lajedinho prosperar, algumas mulheres decidiram montar o grupo de produção Delícia da Terra, que inicialmente produzia cocada em pequena escala e com o tempo passaram a produzir polpas de frutas. “Pedimos ajuda e contamos com o apoio do Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais (MMTR) de Teofilândia e Serrinha, que nos ajudou a organizar o grupo e nos inspirou”, completa Nilda. 
 
D. Zefinha doou o terreno para a construção da Associação toda feita com doações de material de construção, com o lucro arrecadado com venda de guloseimas numa barraquinha montada em época de festa, venda de arroz doce, churrasquinhos e pela apresentação do “Samba Brasileiro”, samba de roda formado por pessoas da comunidade. O registro da Associação foi possível graças à arrecadação mensal de R$ 1,00 por família. “Começamos a arrecadar em janeiro de 2006 e em julho de 2007, registramos”, lembra Ednalva, outra filha de Dona Zefinha. 
 
Naquela época os jovens do local não possuíam documentos e partiam em busca de trabalho, conta Idejane enquanto amamenta. Muitos iam e não queriam voltar mais. “As filhas de mainha foram casando, tendo filhos, as casas aumentando e quem foi embora foi voltando querendo comprar mais terra, depois que viu Lajedinho crescer de 2005 para cá”, conta Maria da Paz, neta de D.Zefinha. “O engraçado era que todo mundo aqui tinha seu pedaço de terra antes, mas era raro quem tinha uma horta, pois não tinha conhecimento de plantação”, conta Ednalva acrescentando que as pessoas sobreviviam com o dinheiro adquirido com o trabalho no motor do sisal. Algumas mulheres confessaram ter passado até por situações de fome com seus filhos.
 
Lembram ainda que anterior aos projetos, ainda num período de pouca informação a comunidade recebeu de uma entidade filantrópica sementes para plantio de cenoura, beterraba, batata e tomate. “Deu tudo de fartura e a gente só sabia aprontar o tomate. O resto destruiu tudo porque a gente não sabia nem para que servia, então a gente dava aos porcos. Destruiu tudo sem usar na nossa alimentação”, conta Jovelina complementando indignada: “Como a gente não sabia de nada naquele tempo, meu Deus!”. 
 
O florescer
“Os moradores de Lajedinho passaram a entender mais sobre agricultura familiar, convivência com o Semiárido e sobre os princípios agroecológicos depois que foram realizadas diversas formações, oficinas, intercâmbios e visitas a outras propriedades de agricultores familiares na região e também fora do estado”, conta Nilda, eleita a primeira presidenta da Associação Comunitária local. 
 
Diante do processo de organização e desenvolvimento da comunidade, a partir de 2009 alguns moradores receberam a cisterna de produção e passaram a fazer em seus quintais hortas e canteiros produtivos.  “Hoje todo mundo na comunidade tem a sua horta, inclusive o grupo de produção. As hortaliças são consumidas na alimentação e também são vendidas na feira agroecológica de Barrocas. Com a renda as mulheres já podem ter o seu próprio dinheiro e não precisam mais pedir aos maridos”, complementa Nilda lembrando ainda do fundo rotativo da comunidade que hoje tem secretário, tesoureiro e regimento próprio criado pelo grupo. “Até os maridos mais resistentes e pessoas de outras comunidades, inclusive de Santa Rosa tem sido beneficiados com nosso fundo rotativo”, complementa. “Hoje a gente tá é podendo!”, brinca.
 
Os equipamentos foram conquistados um a um ao longo dos anos através de projetos, parcerias e concorrências públicas. Hoje o grupo comercializa as polpas de frutas para as escolas do município através do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e só depende da liberação do código de barras para vender no comércio. Só Lajedinho comercializa com o PNAE dentre as comunidades do município. O grupo Delícia da Terra não para. Está agora em processo de implantação do Banco de Sementes do local. “Mainha já participou de reunião sobre o assunto e já se propôs a ceder o espaço. Com a ajuda dos técnicos vamos conseguir ter nosso Banco logo, logo. Já deram o ponta pé inicial”, diz Santinha. 
 
O segredo
O segredo do sucesso elas acreditam que esteja na união do grupo. “Quando colocamos uma proposta para a comunidade, eles abraçam e um ajuda o outro”, diz Nilda. “Existe a união. Quando uma acha alguma coisa que não tá agradando, a gente espera chegar terça-feira, dia da reunião para conversar e se chegar a um acordo. Aqui a união é o segredo”, ressalta Dona Lita.
 
A união, o processo de desenvolvimento do lugar, articulação política e social dos moradores, principalmente das mulheres do Grupo Delícia da Terra é o que faz a comunidade de Lajedinho ser reconhecida hoje como um exemplo de muita perseverança e de força de vontade. É também a confirmação de como é possível se conviver e bem com o Semiárido.
 
 
 


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