Mulheres de Rose: “Hoje podemos dizer que estamos no céu”

18/03/2015
Mulheres de Rose: “Hoje podemos dizer que estamos no céu”

“A gente queria melhorar nossa condição de vida, mas os projetos eram somente para os homens assentados dos lotes de terra”, conta Elzita Cunha, uma das pioneiras do Grupo de Mulheres Produtoras da Comunidade de Rose (GMPR), hoje com 20 mulheres, agricultoras familiares, que desenvolvem atividades de produção de sequilhos, broas e beijus, além de cuidar e comercializar hortaliças cultivadas em horta própria.

Assim começa uma roda de prosa na comunidade de Rose, semiárido baiano, distante 06 km do município de Santa Luz. Rose é uma terra de assentados, terra de “griôs” onde fábulas, histórias e receitas são resgatadas e repassadas, terra de culinária exótica e terra do GMPR, grupo de mulheres fortes, guerreiras, que inconformadas com a situação de pobreza em que se encontravam, decidiram cobrar da Associação dos Pequenos Agricultores da Comunidade de Rose (APACOR), projetos para que elas pudessem não apenas contribuir com o sustento da família, mas que também pudessem se organizar, planejar e gerir.

“Com a cara e a coragem fundamos o grupo em 2004, fazendo sequilhos e bolos de aipim e pela falta de experiência, tivemos perdas na produção dos bolos. Foi aí que decidimos fazer cursos em Serra Branca em 2005, e depois no MOC em Feira, para nos aperfeiçoar. Umas iam fazer os cursos e as outras ficavam aqui e quem voltava do curso repassava pra todo mundo o que tinha aprendido”, comenta Joanita Ataíde, outra pioneira do grupo.  

Para iniciar o trabalho de produção o grupo não tinha estrutura física, mas coragem nunca faltou a nenhuma delas.  “A Associação doou um quartinho junto da casa de farinha e depois fizemos vaquinhas, sorteios, pedimos doações e fizemos uma pequena reforma lá e também compramos uns equipamentos. Depois conseguimos mais projetos, com a ajuda da Associação, do MOC, da Rede de Produtoras da Bahia e de outros parceiros”, enfatiza Elzita Cunha.

“O GMPR é um dos 52 empreendimentos filiados à Rede hoje. Esses empreendimentos envolvem cerca de mil mulheres com histórias de luta e superação a exemplo do grupo de Rose, e atua em 17 municípios da Bahia ajudando a fortalecer a organização dessas mulheres”, ressalta Patrícia Nascimento, coordenadora da Rede de Mulheres Produtoras da Bahia que foi criada em 2002 a partir da necessidade de formalizar os grupos de produção já existentes, valorizar o trabalho feminino e incentivar a realização de práticas de desenvolvimento solidário e sustentável.

Determinação
Com muitas falando ao mesmo tempo a roda de prosa segue, ora contando a história do grupo formado por mulheres que moraram com maridos e filhos em barracos de lonas plásticas pretas por quase quatro anos, até conseguirem o primeiro crédito para a construção de suas casas, ora contando a história do assentamento. Eram 400 pessoas distribuídas em 120 barracos. Falam das dificuldades ao morar nesses barracos principalmente em dias de chuva. “Molhava tudo, a água entrava por um lado e saia por outro por dentro do barraco”, lembra Florisdete Araújo. Umas lembram que com a chegada da polícia escondiam as crianças para que não falassem os nomes dos pais caso lhes perguntassem, enquanto outras contam das camas de “flechas” com camadas de sisal para ficar mais macio ao dormir, e assim, ainda sem o título da terra, seguem com muitas outras histórias de luta e resistência, mas logo retomam com igual orgulho à história do grupo.

Era março de 2008 quando o grupo passou a produzir sequilhos e bolos ao Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB). “Éramos dez mulheres e convidamos mais duas para ajudar na produção”, conta Elzita  que lembra da ampliação da produção com a renovação do convênio por mais dois anos. “Também começamos a produzir polpas de frutas”, diz. Mais tarde passaram a fornecer seus produtos para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Até hoje quase toda a produção é vendida para o PAA e PNAE que lhes garante a sustentabilidade. Uma pequena parte é vendida na própria comunidade ou comercializada nas Lojas da Rede que ficam localizadas em Feira de Santana e Santa Luz. Sempre participam de formações, intercâmbios, eventos e feiras da Economia Solidária em nível regional, estadual e nacional.

Adevania Araújo, que desde pequena acompanha sua mãe no trabalho do grupo e hoje é a atual presidente, afirma que os desafios são muitos. Um deles é a construção da agroindústria que já consta em um projeto protocolado no Incra. A casa onde hoje funciona a atual unidade de produção é própria, mas muito pequena para a demanda. O beiju é produzido na casa de farinha que pertence à Associação. A falta de novos equipamentos, também requer atenção. “Mas estamos felizes com a assessoria do MOC, com a conquista de projetos como o Rede de Cidadania no Sertão da Bahia, da Petrobras, porque estamos tendo suporte técnico na área de gestão, aprendendo tudo sobre a padronização e certificação dos nossos produtos, uma vez que ainda usamos a marca da Rede, e estamos aprendendo também mais sobre código de barras, normas técnicas, porque queremos ver cada vez mais e mais, nossos produtos com mais qualidade e vendendo bastante”, diz Adevania, que comemora a conquista do primeiro veículo do grupo nos próximos meses.

Com uma renda individual de cerca de R$ 350 reais\mês, trabalhando cerca de 16 horas semanais, essas mulheres, exemplo de superação, chegaram a 2015 com muitos desafios vencidos e dia-pós-dia conquistam autonomia e seu espaço na sociedade. A organização dessas mulheres lhes confere o empoderamento político e econômico, elevando a autoestima através da valorização do seu trabalho e da participação política, social e cultural nos espaços onde estão inseridas. 


Por:
Maria José Esteves
Programa de Comunicação do MOC


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