Da habilidade feminina nasce um novo espaço de participação social

04/03/2008

“No mundo inteiro, abastecer os lares com água é tarefa das mulheres de todas as idades, inclusive crianças. Há uma relação íntima entre a água e o feminino. No Semi-Árido, a relação não é diferente. Ela revela a divisão de papéis familiares e de trabalho entre os sexos”. (Roberto Malvezzi, Gogó). 
 
Independência financeira, auto-estima conquistada e muita vontade de crescer. No Semi-Árido baiano, as mulheres estão cada vez mais fortalecendo a sua identidade como trabalhadora rural e quebrando os paradigmas da relação homem x mulher. Organizadas, têm atuado em importantes espaços de discussão política através dos Movimentos de Mulheres e conseguido garantir renda própria por meio dos grupos de produção. 
 
Após firmarem sua identidade como mulheres rurais, assumindo uma postura política própria, as sertanejas se viram diante de um novo desafio. As mãos acostumadas com o trabalho doméstico e na roça, tiveram que enfrentar as ferramentas utilizadas por pedreiros que exigem habilidade e também, algumas vezes, esforço físico.
 
Mulheres Cisterneiras – A idéia de capacitar mulheres na construção de cisternas surgiu de uma proposta das Comissões Executivas Municipais - formadas por representantes da sociedade civil organizada que atuam no gerenciamento do Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC) - para que as mulheres tivessem uma nova opção de renda. A idéia logo foi aceita e desde o ano de 2006 as mulheres têm experimentado na prática a igualdade de gênero. De acordo com a integrante do programa Água e Segurança Alimentar do MOC (PASA), Maria Auxiliadora, não existem critérios de seleção para participar do curso, apenas interesse e disponibilidade. 
 
Moradora da comunidade de Quitola, em Teofilândia, Maria do Carmo afirma que a idéia de trabalhar como cisterneira surgiu da necessidade de obter renda e da falta de mão-de-obra qualificada, que muitas vezes precisava trazer pessoas de outros municípios. “Construção sempre foi considerada atividade de homem, eles diziam que as cisternas feitas por nós mulheres iam cair, não acreditavam na nossa capacidade”, relata a cisterneira. 
 
A renda obtida com a construção de cada cisterna é de R$ 175, dinheiro que está sendo utilizado das mais diversas formas, desde a compra de enxoval para bebê até aplicação em cooperativa. 
 
Dificuldades e preconceitos – Como toda inovação, a idéia de mulheres atuarem na construção de cisternas causou estranhamento. O preconceito partia até mesmo das próprias pedreiras que não se sentiam capazes em realizar a atividade. “Será que eu consigo fazer este trabalho”, perguntava-se Luzinete dos Reis Lima, residente em Santa Luz.  
 
A freqüência com a qual realizam este ofício também foi considerada uma dificuldade. Como não constroem regularmente, muitas se sentem inseguras na hora de construir, além disso, as cisterneiras afirmam que esta atividade exige muita força. “As placas são muito pesadas”, disse Lucineide Souza de Jesus, de Serrinha.
 
Em média, os homens demoram uma semana para construir uma cisterna. Devido à natureza feminina – que possui limites físicos – e a pouca prática, as mulheres pedreiras levam de duas a três semanas para finalizar a construção.
 
Durante uma oficina para sistematizar esta experiência, as mulheres cisterneiras revelaram que até hoje os homens colocam defeito no trabalho, especialmente os maridos e as figuras masculinas nas casas contempladas com as cisternas. 
 
Exercendo a profissão há mais de 40 anos, o pedreiro Alfredo Domingos de Araújo ensinou 10 mulheres do município de Teofilândia a construírem cisternas. Para ele, não há problemas na relação mulher/cisterna. “Se elas têm boa vontade em aprender e querem trabalhar, eu acho isto bom”, afirma. Ele conta que as suas alunas não sabiam nada, e depois do curso já construíram 30 cisternas. “Elas demoraram um pouco para construir porque não tinham prática (...) Pelo menos nunca teve problema as cisternas que acompanhei a construção”.
O tempo da construção não tira a importância deste trabalho, mas, ao contrário, demonstra que as mulheres não querem substituir os homens, ocupando os espaços masculinos. Talvez falte às mulheres a força, porém, elas possuem habilidade. A capacitação de mulheres na construção de cisternas está permitindo o nascimento de um outro espaço de participação social, onde homens e mulheres, juntos, contribuem com a construção de um sertão justo, com mais famílias tendo acesso à água.
 
Orgulho da profissão – Mesmo com todo preconceito, as sertanejas que encararam o desafio de construir cisternas sentem-se orgulhosas de serem pedreiras. “Nunca fiz nada na vida para gostar tanto quanto este trabalho”, afirma Luciene de Jesus, de Teofilândia. 
          
A atividade como cisterneira tem gerado muitas oportunidades, como por exemplo, ajudar na construção da associação da comunidade, construir sua própria cisterna, colocar o piso e o reboco da própria casa e também, a construção de cisternas particulares para outras pessoas no município onde vivem.
 
Em uma região onde as perspectivas de geração de renda eram cada vez mais escassas, o curso de cisterneiras dá um novo gás para estas mulheres que aprenderam a ter mais confiança em si mesma e adquiriram maiores responsabilidades frente aos desafios do trabalho. “A grande alegria no trabalho como cisterneira é perceber a felicidade e a satisfação das famílias ao receberem uma cisterna”, Cleide de Jesus Santos, Teofilândia. Nilmara de Candeal acrescenta: “Ver famílias carentes serem beneficiadas com os milagres do sertão. Água boa e um reservatório”.